quinta-feira, 22 de maio de 2025

Cartas da Suécia: o que mudou?

 
    “Os Suecos sentem evidentemente orgulho na maneira de ser única da Suécia, no seu papel de vanguarda no panorama internacional. Tal soa bastante americano, não é verdade?  Mas o deles é um tipo muito diferente de orgulho. Os americanos revestidos também dum sentido de supremacia única como nação e da sua identificação com a virtude, não só consideram a sua própria virtude como exportável, mas possuem ainda um mandato para a sua exportação (e lucram com a mesma: imperialismo). Os suecos vêem-se a eles mesmo exemplares num estilo mais passivo. Não estão nem em posição nem dispostos, por temperamento, a exportar agressivamente aquilo que eles praticam – costumes sexuais pós-puritanos, bom gosto e generosidade para as artes, planeamento económico racional, justiça social sem atritos, cuidado com o ambiente urbano-,mas aguardam com confiança os inevitáveis movimentos da história que levarão outras nações a imitá-los. O que acontece na Suécia, tem-me sido dito por mais de um sueco, acontece cinco, dez, ou quinze anos mais tarde em qualquer outra parte adiantada do mundo.”

Susan Sontag in “Carta da Suécia, Suécia: Mito Ou Realidade?”, cadernos d. quixote, 1969.

          "Suécia? Um dos países europeus mais seguros e acolhedores enfrenta na atualidade uma das maiores crises securitárias da Europa, com o número de crimes com armas de fogo ser apenas ultrapassado pela Albânia. Cada vez mais jovens são recrutados por gangues de traficantes de droga e a situação atingiu tal ponto que o governo decidiu aprovar uma lei que permite à polícia pôr escutas em telemóveis de menores de 15 anos. Uma advogada sueca confirmava: As crianças já não estão a usar as mochilas para levar livros, antes para transportar o mercado de droga sueco nos seus próprios ombros."

Ana Cristina Leonardo , Ípsilon, Jornal Público, 16 de Maio de 2025

FUSO INSULAR 2025

Informações aqui: https://fusovideoarte.com/
 

terça-feira, 20 de maio de 2025

Ilustração de António Pedro

 

O Interior

             “Os candidatos a primeiro ministro dos maiores partidos, nos bocadinhos que tiram à pressa para vir ao interior durante a campanha eleitoral, falam sobre como estas regiões importam, sobre o perigo da desertificação, sobre os transportes públicos que quase não temos e sobre o envelhecimento da nossa população. Mas na hora em que, efectivamente, podem fazer alguma coisa e dar-nos pelo menos um voto com a mesma representatividade do litoral, escolhem antes ficar sossegadinhos e não mexer no que está instituído. Porque antes do interior estão eles e os interesses do partido.
             O interior? É bonito! Eles depois voltam cá nas férias.”

 Carmen Garcia,  in Público, 18 de Maio de 2025

sábado, 17 de maio de 2025

NAPA: Deslocados Venceremos!

     É uma canção bonita, inusitada para este tipo de certame, à semelhança de Amar pelos Dois de Salvador Sobral, cantada em português, com um significado etéreo e intenso, aquela que nos irá representar no Festival da Eurovisão, logo à noite. Quem é que neste país de gente errante nunca se sentiu "deslocado" que ponha o dedo no ar? Quem é que não se revê nesta nostaclgia dolente de uma voz anasalada a pedir um coro geral? Por isso, serão muitos os estudantes, professores, portugueses emigrantes ou viajantes que irão entoar estes versos: "Por mais que possa parecer/ Eu nunca vou pertencer àquela cidade/ O mar de gente, o Sol diferente/ O monte de betão não me provoca nada/Não me convoca casa". Só por isso, já ganharam!

Verso de Cátia Mazari Oliveira

 é preciso colocar bondade em dia 

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Em Escuta...

Ferry Gold, 2025
A Garota Não
A primeira audição de A Garota Não foi de absoluta surpresa: alguém que assumia o legado dos grandes cantautores nacionais – José Mário Branco e José Afonso. “Liberdade/querida Liberdade/ o nosso chão tem sonhos e vontade”, cantava Cátia Mazari Oliveira acompanhada  pela guitarra de Sérgio Miendes. Para além dessa assunção da herança, havia a firmeza de trilhar um caminho próprio, um desejo de partilhar canções que estivessem focadas na esperança e na transformação. Uma voz de veludo que nos incitava à urgência e à resistência de viver num país com tanto por mudar e concretizar.  
       O disco “Ferry Gold”, o terceiro de originais da “Garota Não”, chegou via caixa do correio. São 19 temas carregados de colagens, citações, apropriações, interlúdios e demais montagens. O CD, mais o livro, foram “costurados à mão, papel reciclado, muita paciência e amor”, com a assinatura do Artwork e costura da Ana Polido, contém ainda no seu interior as pinturas a óleo por Joana Batista. Para já, o tema “Alaska”, poema de João Quadros, encontra-se em modo repeat: “tudo começa numa estrada que termina no Alaska”. Em escuta atenta! 

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Há 30 anos!

 


Sob os que informam...

          "Durante muitos séculos, a informação era quase sempre oficial, isto é, partia de uma única origem, de um centro. O rei, ou o chefe máximo dos máximos de um país qualquer emitia a escrita informativa, uma escrita única, sem contraditório nem verificação. 
        Roland Barthes, num belo texto, lembra precisamente que o termo "escrita" estava historicamente ligada à escrita oficial, ou seja, às informações que vinham do centro do poder que, no limite, definia as leis. Leis, podemos dizer, vistas assim como informações -base, informações fixas, a que se tinha, e tem, de obedecer. E Barthes lembra que, para os outros, para os indivíduos, sobrava o "rascunho" - termo que definia a escrita individual dos cidadãos, a escrita que se podia rasurar, eliminar, alterar, etc., ao contrário da escrita oficial, que era intocável, era escrita na pedra -, por vezes literalmente, sempre simbolicamente." 

Gonçalo M. Tavares, in "Os Jornalistas", Revista Expresso, 22 de Março 2024. 

terça-feira, 13 de maio de 2025

Haiku de Yosa Buson

 As chuvas de Maio: 
qualquer pequeno riacho 
fica a meter medo.


in Imagens Orientais, Assírio&Alvim, (tradução de Luísa Freire). Janeiro, 2003

Esperança

      "Quando olhamos e desprezamos Trump a partir da nossa perspectiva intelectual e progressista, classificando-o como estúpido, creio que os estúpidos somo nós. Porque não vemos que aquilo que se apresenta como vulgar também é uma estratégia muito eficaz. As pessoas comuns têm necessidades primárias que não são apenas alimentar-se ou vestir-se, mas que incluem a necessidade de segurança, consolo, compreensão que lhes vem de alguém que, ilusioriamente, lhes diz que as coisas são mais simples do que a complexidade da vida moderna, que sentem como opressora. Dizem-lhes que tudo se resolve a um só problema: há um inimigo, que vem de fora, que nos invade e que é preciso eliminar. Trump fê-lo com o muro. Mussolini fê-lo com os socialistas. Meloni e Salvini fazem-no com os imigrantes, respondendo com grande eficácia às necessidades das pessoas, às quais a esquerda deixou de ser capaz de dar uma resposta. Se os populistas conseguem alimentar com grande eficácia o medo, a esquerda já não consegue alimentar a esperança."

António Scurati, in Ipíslon, 17 de Novembro de 2023

segunda-feira, 12 de maio de 2025

A Meio de Maio a Dialética!

      Raul Brandão escreveu, no início do século passado, o seguinte: “Era decerto condão das flores - mas também de Maio que chegou, com a sua magia e o seu sonho. Rebentaram novas fontes, e a terra di-la-eis agitada e viva. Sob o chão que calcamos correm rios de tintas que transbordam e cobrem as árvores de roxo, de púrpura, de verde.” Os dias irão continuar, assim, dilatados e lentos, permitindo ao nosso olhar a contemplação do horizonte marítimo até altas horas, investindo nessa crença de redescoberta do cheiro das flores e dos sabores da terra. É altura de despertarmos todos os sentidos bem como em nosso redor começam novos ciclos que desejamos partilhar e contemplar.
        Sexta-feira, fim da tarde, assisto ao filme italiano “As Oito Montanhas”, um drama realizado por Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch. Esta narrativa fílmica serve-nos Pietro (Lupo Barbiero), e Bruno (Cristiano Sassella), em dialética cidade-campo, esclarecendo as vicissitudes de dois amigos e as cumplicidades que estabelecem para a vida: a liberdade, os amores, as perdas, as viagens, sem nunca renegar as suas origens. Uma língua italiana que não nos cansamos de ouvir pela beleza da sua sonoridade e sentidos e uma amizade que resiste a todas as contrariedades.
      Domingo de nuvens cinzentas, cargas de água sucessivas, pedidos e benefícios vários para permanecer dentro de casa. No final da tarde, há alguma calmaria, pausa e tréguas na liquidez primaveril. Não muito longe daqui onde agora escrevo, assistiu-se à peça teatral “O Mestre”, no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas. Um texto que integra e valoriza a relação mestre-aprendiz, sobretudo no processo de autonomia de quem aprende, abrindo espaço para a experimentação e disciplina necessárias à criação artística. Ao conceber “O Mestre”, a actriz Maria João Falcão dá, assim, relevo à  transmissão de conhecimento, aqui com a presença física de Michel, o mestre,  e no livre-arbítrio da aluna, refletida no corpo e movimento da actriz. O cenário da blackbox, em forma de rectângulo, resultou primorosamente, sobretudo, para que os espectadores presenciassem esse legado, à passagem de sabedoria de um para o outro, em modo dialético, à semelhança dos gregos antigos e dos filósofos primevos. E…Maio avança, ora chove ora faz sol!

domingo, 11 de maio de 2025

Hoje, no CAC, às 18h00


    

     “Estou muito feliz por apresentar “O Mestre” no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas. Sigo a sua programação há muito tempo. Acredito imenso no que o Arquipélago representa: um Centro de Artes que valoriza os processos, abre espaço para a experimentação e criação artísticas. O que é nos dias de hoje, infelizmente, uma raridade. Pela minha experiência, a equipa é fantástica e de uma grande dedicação. Por outro lado, tenho finalmente, a oportunidade de visitar este centro e a sorte de poder ver ainda as exposições “Espaços Transitórios”, que celebra uma década de existência do Arquipélago, e “Cavalo Pendurado no Teto do Avesso”, de Rodrigo Costa, que ainda está patente.”

Maria José Falcão, in Açoriano Oriental, dia 9 de Maio de 2025

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Dentro e Fora de Jorge Kol em Angra

Dentro e Fora 
Exposição de Fotografia
Jorge Kol de Carvalho 
 

Até 31 de Maio
Biblioteca Pública e Arquivo
Luís Silva Ribeiro 
Angra do Heroismo 

domingo, 4 de maio de 2025

Songs for Drella

 O cabelo caiu, os pés afligiram-se de gota,
as veias endureceram;
notícias irrepetíveis - chulos que vendem crack
e mastigam chop-suey nos salvados 
de edifícios devolutos.

Lixo, doenças incuráveis
como a filaríase ou a desestima, a respiração
do efémero nas latas de sopa Campbell
e o major Alvega, glamoroso
e luso-britânico, nos quadradinhos Condor
derruba pilotos nazis.

Corpos perfeitos de períneos vagabundos
-um ideal tão ático quanto qualquer existência 
silabada de professor de canto coral,
devoto dos cínicos, por virtude
da miséria. Também os pobres 

se divertem. Comem baratas, 
mascam tabaco, perdem apostas
em corridas de cavalo, decoram
a traço grosso e tons de surrabeque 
telas espúrias de expressionistas. 

José Alberto Oliveira, in O que Vai Acontecer?, Assírio&Alvim, Setembro de 1997. 

sábado, 3 de maio de 2025

O Livro Grande de Tebas Navio Mariana de Mário de Carvalho

       "O Mar dos Sargaços, entre Bahamas e Açores é assinalado por um recife de quartzo translúcido, contorcido e mui levantado. Ao bater do sol, pela hora que é, meio-dia, o recife refulge uma poalha de cores fátuas, que pontilham os ares em volta. Nas raras ocasiões em que aí passa o vento, dizem os marinheiros velhos ouvir harpejos longos pelo recife vibrados. Já isto será conto de maujada, adrede imaginoso como outros ditos dele. 
     Para lá do recife, é o mar esmeralda de sargaços brilhante. É lúcido e quente. Para cá, bancos de nevoeiro turvam o astro em compacta massa opala."
in O Livro Grande de Tebas Navio Mariana, Vega, Dezembro de 1982.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Os Beijos de Manuel Vilas

        "Acredito no erotismo, uma força que não advém do azar e sim da ordem com que a natureza ou a própria insaciabilidade da natureza quis vir até nós. Porque, àquela parte que não compreendemos da natureza, o melhor seria chamar-lhe Obscuridade. 
      Contemplar o rosto de um ser humano pela primeira vez, em teoria, e pensar que esse rosto estava à nossa espera desde sempre, eis o que parece ser uma das leis da Obscuridade.
          E é maravilhoso, é o enamoramento: ver o rosto de outro ser humano e encher-se de esperança, pensando que atrás desse rosto respira uma vida a dois, respira um grande amor. 
          Foi para isso que viemos ao mundo, para nos apaixonarmos e morrermos de loucura. Mas as coisas nunca acontecem assim, morremos de várias coisas, e nunca de amor."
in Os Beijos, Alfaguara, 2021.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Música de Maio Aberto

-Hey Vini - sem palavras / cem palavras, 2020 - Homem em Catarse

-Milagre na Ótica do Utilizador - Leveza, 2023 - André Henriques

-The Shipbuilding - Punch the Clock, 1983 - Elvis Costelo and The Attractions

-Villa Sacchetti - A Study of Losses, 2025 - Beirut

-The Ignoramus Love - Dan's Boogie, 2025 - Destroyer

-Ressentidos e Ressabiados - Viva La Muerte, 2025 - Mão Morta

-The Price I Pay - Workers Playtime, 2006 - Billy Bragg

-O Peso do Meu Coração - O Peso do Meu Coração, 2025 - Castello Branco e Garota Não

-Fartos de Sol - Desta Vez para Sempre, 1989 - Entes Queridos

-Amerikanska skatter - Sex, 2024 - Anna Järvinen

-Year of the Snake - Pink Elephant, 2025  - Arcade Fire

-Triskel -Triskel, 2022 - André Rosinha Trio

Escuta, Zé Ninguém! de Wilhelm Reich

   "És o «homem médio», o «homem comum». Repara bem no significado destas palavras: «médio» e «comum». 
Não fujas. Tem ânimo e contempla-te. «Que direito tem este tipo de dizer-me o que quer que seja?» Leio esta pergunta nos teus olhos amedrontados. Ouço-a na sua impertinência, Zé Ninguém. Tens medo de olhar para ti próprio, tens medo da crítica, tal como tens medo do poder que te prometem e que não saberias usar. Nem te atreves a pensar que poderias ser diferente: livre em vez de deprimido, directo em vez de cauteloso, amando às claras e não mais como um ladrão na noite."

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Do Mal Estar

    “A obra “O Mal-Estar da Civilização” termina com a seguinte ideia:«As pessoas chegaram a um ponto de domínio tal sobre as forças da natureza que, recorrendo à sua ajuda, não terão dificuldade em se exterminarem mutuamente, até ao último ser humano. O Homem tem consciência disso, o que explica uma boa parte da sua inquietação atual, da sua infelicidade, do ambiente de medo.”

Hans - Martin Lohmann, in Sigmund Freud, Coleção “ A Minha Vida Deu um Livro”, 1998.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

domingo, 27 de abril de 2025

Haikai de Masaoka Shiki

Todos os ventos
são frescos 
para os olhos que vêem.

Saúde Mental

           "Pode haver uma grande crise de saúde mental nos próximos anos, depois deste confinamento. Tal como acontece a seguir a guerras. Acho que o próximo passo, talvez até ao próximo século, vai ser sobre formas de alcançar bem-estar. Tenho uma afiliação com o Centro para a Música no Cérebro, em Orus, na Dinamarca. Colaboro com psicólogos, músicos, que pensam em terapias alternativas. Coisas como a música, a leitura, a poesia podem ajudar a aliviar este stresse que as pessoas estão a viver, sem ser necessariamente com recurso a medicamentos e formas artificiais." 

Joana Cabral, in "Os Filhos da Madrugada", Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2021. 

Verso de Caetano Veloso

 É o que pode lançar mundos no mundo. 

Primavera Geradora de Temperaturas Aleatórias

       Os dias primaveris estão maiores mas ainda pouco dados a mergulhos no mar. As flores dão sinais do seu despertar após tantos dias de intensidade líquida. O verde começa a pintar a paisagem e o nosso olhar serena perante o seu esplendor. Os filmes mais pertinentes e interessantes, na televisão pública, passaram sempre a altas horas da noite e é de questionar que público se pretende alcançar. Daí que fomos assistindo, madrugada adentro, a "Cerrar los Ojos" de Vitor Erice ou a "Licorice Pizza" de Paul Thomas Anderson. A horas mais convenientes, assistimos, no Cineclube Octopus, a "No Other Land", de Basel Adra, Hamdam Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor. E, que falta nos faz, em todo o lado e em qualquer lugar público, cinema na tela grande, acompanhados por outros tantos dispostos ao convívio, à conversa e à partilha da paixão pela sétima arte. 
     Comeram-se, entretanto,  as primeiras sardinhas do ano, longe ainda de serem gordurosas com o óleo a cair no pão, mas para lá caminham. Abril irá findar e é o mês das flores que aguardamos com alegria. Que se abram as portas para Maio entrar!

sábado, 26 de abril de 2025

Jan Palach de Urbano Bettencourt

 para Onésimo Teotónio de Almeida
Nunca soube a escala 
que mede os terramotos íntimos 
de quem vê devastado o lar dos seus, esventrada a cama
onde pais e avós inventaram a festa gloriosa 
dos sentidos
 
Não posso, por isso, medir-te a raiva
em Janeiro  de sessenta e nove, quando o fogo 
te consumia o corpo na Praça Venceslau 
e nos teus olhos já baços passava ainda 
a névoa de Praga ocupada pelos tanques do império 

em suspeitares quão incómodos os teus ossos
se tornariam,
removidos do espaço público
e forçados à clandestinidade,
porque há mortos cujas vidas assombram a noite 
dos abutres 
muito para lá do seu termo.

Lembrei-me de ti, Jan Palach, tantos anos depois
dos teus e meus vinte anos, tão longe dessa Primavera 
de Praga 
agora que nesta Primavera de chumbo 
o fóssil moscovita soltou os ventos e as bestas 
do Kremlin  sobre os prados da Ucrânia,
enquanto repetia o brado
de um velho avô peninsular: «Viva la muerte!»

in Antes que o Mar se Retire, Companhia das Ilhas, 2023. 

Insondável Claridade de Paulo Ramalho

Em memória da minha avó Guida 
Vejo-os demorarem-se no último cais. 
Uma insondável claridade 
repousa entre as mãos dos que partem.

Morrer é uma corda tensa de silêncios,
um hálito frio no lábio dos amantes.

Vejo-os embarcarem ao anoitecer
Um súbito vento lhes seca as lágrimas,
A transparência dos vultos breves no convés,
o pêndulo do inexorável, os lenços do adeus,
a espada de fogo do último beijo.

Falam mas já as palavras apodrecem entre os lábios.
Aguardam na luz derradeira a primeira estrela
e depois partem para a  ilha do esquecimento.
Gaivotas intensas sobrevoam o cais deserto.

in A Mar Arte Revista, Inverno/Primavera, 1998. 

Perfume de João Habitualmente













Nunca medi as mulheres 
pelos odores com que nos iludem

são postiços 
como silicone de seios 
conspiram no mesmo palco das jóais de imitação 
e prestam-se à farsa 
de camuflar outros vapores
 
Mas o teu caso é diferente 
                                      
Sigo-te a volúpia das fragâncias   
pesquiso-te o andar de garça                                                             
investigo o teu perfume            
até às últimas consequências 

in poemas em peças, Quase Dito, 2014.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

À Laia de Cortesia de Naná da Ribeira

À mesa de um café nocturno 
alguém evoca o costume frequente
da educação à moda antiga 
o imperfeito de cortesia:
- eu queria 
mas agora já  não quer 
indagam com ironia 
homem ou mulher 
preferimos não responder 

51

      Neste início de Primavera, à beira-mar, está uma roda de pescadores que discute as escolas do antigamente e das carteiras das salas de aula ocupadas apenas por rapazes. Um deles aponta para a outra parte da escola onde estavam também as raparigas. Hoje, passados tantos anos, têm dúvidas sobre a existência de escolas mistas. Há, inclusive, um  que afiança que irá questionar uma suas das suas netas para saber se rapazes e raparigas aprendem no mesmpo espaço. Ler, estar informado, participar na educação e na vida cívica pode e deverá ser um desígnio do que falta cumprir do 25 de Abril de 1974. 

quinta-feira, 24 de abril de 2025

No Other Land no Cineclube Octopus

No Other Land, 2024
de Basel Hadra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham
Rachel Szor. 

Sessão às 21h45

Cineclube Octopus
 

Gaivota I de Ruy Belo

A tão difícil paz dificilmente alcançada
a máxima inquietação ao fim e ao cabo queda 
a serenidade em duas curtas asas resumidas
em corpo tão pequeno a vida toda
a voz da ambição afinal muda
perfeitíssima obra onde tudo se equilibra 
- que assim se cubra quanto tanto se celebra 
e uma chave só tal mundo abra a ninguém lembra

in "Todos os Poemas", Assírio&Alvim, 2009.

Quanto Morre um Homem

Quando eu um dia decisivamente voltar a face 
daquelas coisas que só de perfil contemplei 
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração da cidade? 
Quem te porá como fruto nas árvores  ou como paisagem
no brilho dos olhos lavados nas quatro corações?
Quando toda a alegria for clandestina 
alguém te dobrará em cada esquina? 

Ruy Belo, in Todos os Poemas, Assírio&Alvim, 2009.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Uma Fotografia do 25 de Abril

Primeiro as árvores cobri-
ram-se de folhas  depois

de pássaros e depois de 
homens.

Jorge Sousa Braga, in Ferida Aberta, Assírio&Alvim, Fevereiro de 2005

domingo, 20 de abril de 2025

Verso de Homem em Catarse

 Um direito não é um favor

Da Ilusão

   "Quanto mais ilusões tivermos, quanto mais iludirmos a vida com ilusões, melhor é. Porque se formos a pensar na realidade, o nosso fim é morrer. Se estamos entretidos, estamos esquecidos a viver."

Joaquim Mendes 

sábado, 19 de abril de 2025

Da Maturidade

      "A vida, a maturidade, consiste em saber distinguir a forma como as pessoas manifestam o seu amor. Nem toda a gente o faz da mesma forma, queria eu dizer. É um longo reportório. Compreender esse reportório é viver com os outros."

Manuel Vilas in "E, de Repente, a Alegria", Alfaguara, 2020. 

E, de Repente, a Alegria de Manuel Vilas

       "Porque mais tarde, na minha vida, percebi que comprar coisas me cria medo. E creio que é um medo que provém dos meus antepassados, porque os meus avoengos nunca puderam comprar nada. Daí o terror em relação a comprar coisas, pareço que não as mereço, é um sentimento muito difícil de exprimir, é visualmente um sentimento no qual Arnold Schoneberg se deleita a potenciar e retorce." 

"E, de repente, a alegria!" de Manuel Vilas, Alfaguara, 2020.  

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A Nave dos Loucos

         "Para o caos que se vive - da guerra às tarifas, das alterações climáticas às aptidões do IA, da violência entre os jovens ao excesso de informação, da liberdade de expressão à defesa da censura, etc - não são poucos os que recorrem a conceitos antigos de Psicologia (até Pacheco Pereira voltou Rousseau e a Hobbes) ou da política (como fascismo e populismo) para tentar perceber o que se passa. Pela parte que me toca, e limitando-me a voltar às àrvores, acho que estamos mesmo à nora como na história contada em "Platão e um Otorrinco Entram num Bar"...(Thomas Cathcart e Daniel Klein, Dom Quixote, 2008). É Outono e os índios perguntam ao novo chefe se o Inverno vai ser frio. O novo chefe nunca aprendeu segredos antigos, mas não querendo arriscar, manda a tribo apanhar lenha e preparar-se para um Inverno frio. Poucos dias depois, telefonou para o Instituto de Meteorologia. O Meteorologista acha que o Inverno vai ser frio. Então, o chefe aconselha a tribo a apanhar mais lenha. Algumas semanas depois, liga novamente para o Serviço de Meteorologia. Ainda acham que vai ser um Inverno frio? Parece que vai ser um Inverno muito frio! E o chefe aconselha a tribo a apanhar mais lenha. Semanas depois, liga de novo. Continuam a prever um Inverno muito frio? Estamos a prever um dos Invernos mais frios de sempre! Como podem ter tanta certeza? Porque os índios andam a apanhar lenha como loucos!" 

Ana Cristina Leonardo, Meditação na Pastelaria, Público, 11 de Abril. 

Provérbio

 Boa vida, rugas tira. 

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Quem Procura Sempre Encontra

     Após leitura, no verão passado, de "Em Tudo Havia Beleza", Alfaguara, editado em 2019, quis muito ler o que o escritor Manuel Vilas tinha escrito a seguir. Desafio que à partida parecia simples, irrisório, dado o entusiasmo do livro anterior, e que, por isso, fui procurar ler o livro "E, de repente, a alegria", Alfaguara, 2020, começando aí a saga da sua acquisição e posterior leitura. Coisa complicada como se veio a provar. Em todas as livrarias em que fui entrando obtive um sorriso e o lamento pela inexistência deste objecto literário. Uns foram dizendo que o livro estaria esgotado, outros que demoraria a ser reposto, tal como poderia efectuar o pedido e ficar a aguardar pelo seu aparecimento na caixa do correio. Nada feito. O tempo foi passando e, animado pela vontade de encontrá-lo numa estatante de uma biblioteca, aguardei pacientemente por um acaso ou surpresa. Recentemente, no regresso à terra de nascimento e casa paternadecidi entrar numa livraria, insistir de novo e tentar a minha sorte. E, eis que de repente, através de uma livreira atenta e informada, adquiri o livro que me devolveu a alegria do reencontro com este autor. 

A Piedade do Tempo

    Em que escuro recanto do tempo que morreu
vivem ainda 
a arder, aquelas coxas? 
Dão luz ainda 
a estes olhos tão velhos e enganados,
que voltam agora a ser o milagre que foram:
desejo de uma carne, e a alegria 
do que não se nega. 
    
    A vida é o naufrágio de uma obstinada imagem
que já nunca saberemos se existiu,
pois só pertence a um lugar extinto.  

Francisco Brines, in A Última Costa, Assírio&Alvim, 1997.

Cipreste

havia um cipreste 

vi que caminhaste 
e te despiste 

(a roupa na sombra da árvore
dependurada do nada)

o leito agreste 
e mergulhaste.

nadaste 
depois saíste. 

in Poemas em Peças, Coleção Quase Dito, Fevereiro, 2014. 

Sem Sair do Lugar

 (...) Sabemos que a intensidade da luz concentra hormonas que vão alterar os níveis da água nas células do tecido vegetal e, portanto, levam as plantas a inclinarem-se em direção à fonte de luz. As plantas podem parecer levar vidas não tão complexas como a dos animais, especiamente porque não se podem mover, no entanto, elas encontram formas, também complexas, para o seu estilo de vida, do que é uma vida imóvel. E arranjaram formas de como se reproduzirem, de como competirem umas com as outras por recursos, de como se adaptarem ao seu ambiente, de como evitarem e defenderem-se daqueles que as consomem, como os herbívoros, sem mobilidade, sem sair do seu lugar. E embora não possam mover-se, as plantas podem alterar a sua estrutura em resposta às mudanças do ambiente. E esta alteração de parte ou de todo organismo tem um nome, que se chama: tropismo. E o facto de algumas plantas como o girassol procurar a luz e mover-se com a luz, significa que tem tropismo.

Luísa Ferreira Nunes, Lições Naturais, Podcast do Público, Março 2025. 

terça-feira, 15 de abril de 2025

Tempo Cura de Naná da Ribeira

Terminada a língua e fechamento

Já podemos ir ao  teu jardim, Celeste

Visitar-te-ei a cada Primavera, sem máscara

Com folhas e flores cravadas no corpo  

O dia a dia de instâncias e de perdas                                  

O teu eco e afago que era quente e sentido

Medos e memórias que ainda guardo comigo

Dos livros e filmes que te substituíram

O Azul de Francisco Brines

          Busquei o azul, perdi a juventude. 
Os corpos, como ondas, rompiam.-se 
em areias desertas. Houve amor
no recanto florido de um jardim 
fechado. E quis achar palavras 
que alguém pudesse amar, e elas valeram-me.
Estou a chegar ao fim. Cega meus olhos 
um desolado azul iluminado.


in A Última Costa, Assírio&Alvim, Outubro de 1997. 

A Minha Praia de João Habitualmente

Nada ficará
Da pedra sobre pedra 
Com que fomos compondo nossos ninhos

Seremos ruína 
Arqueologia dum tempo sulfúrico 
Betão desgastado ferro torcido

Nada falará 
Só o cosmos em festa 
Libertado da sua verruga

Será assim, a nossa ausência 
Um silêncio para sempre
Nada que perturbe a perfeição  dos ventos

Mas, por agora 
Resta ainda a minha praia favorita 
Com encontros à ilharga 
E um mar nítido como nos postais antigos 


in Poemas em Peças, Colecção Quase Dito, Fevereiro, 2014

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Mar Cavado a Grosso

Timidamente espreita o sol 
augura uma aberta, um esclarecimento
uma nota suave, um deslaçar de nuvens
a brisa amena da tarde 

Ainda o mar cavado a grosso 
lenta aparição celeste no horizonte 
na química combustão da paisagem 

Naná da Ribeira in "O Fim do Mundo é já Amanhã", Farol Edições, 2025.

domingo, 6 de abril de 2025

Ansiosamente Pueris de Naná da Ribeira

Não quisemos mais continuar
já que não somos  mais os mesmos
Temos nuvens zangadas a atravessar-nos ou
que podem enfurecer a qualquer instante
 
Era uma falsa promessa esta
que nós acreditamos estar juntos e
em vantagem
Julgamos ter construído um império
um sentimento inútil que agora passou a ferida
 
Ardemos em lume brando
escutamos a discordância
não mais voltaremos a ter a mesma sede
em paz ficaremos
descobrindo lentamente como fomos
ansiosamente pueris 

sábado, 5 de abril de 2025

Um Homem Cada Vez Mais Velho

 (postal para a Ucrânia) 

I

pesando-lhe o ar que o transporta 
um homem chora cada vez mais velho
em forma de pá que escava sozinha 
por causa de alguma coisa 

num silêncio pegado ao leme 
lê Kozbar e outros poemas 
e não vai mal de todo 
a fumar como se engolisse o cigarro
e as próprias mãos 
na companhia da matéria
 
por enquanto às baforadas 
assiste-se à história que se repete
como um fole de acordeão que começa a tocar
precisamente aqui ao lado 

Rui Machado, in Um Pouco da Alma, Núcleo Cultural da Horta,  2022

Do Lugar de Urbano Bettencourt

 E dizia o grego:
«Não regresses ao lugar de onde te foste
-só encontrarás o que não procuras.»

in Antes que  o Mar se Retire, Companhia das Ilhas, 2023.

Diogo Bouça no Museu Carlos Machado

Recital de Diogo Bouça
Núcleo de Arte Sacra 
Dia 6 de Outubro, 17h00
 

Ontem, escrito numa parede da cidade

 À noite todos os gatos são pargos 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Coral de Sophia de Mello Breyner

Ia e vinha 
E a cada coisa perguntava 
Que nome tinha.
in Coral - Obra Poética, Caminho, Novembro de 2003.

sábado, 29 de março de 2025

Dia de Aniversário do ARQUIPÉLAGO - Centro de Artes Contemporâneas

Trio André Rosinha 
18h00, na Blackbox do CAC
(Fotografia de Maria Bicker)
         "Ao longo destes 10 anos, o Arquipélago aprendeu a escutar e foi essa a fórmula de aproximação das pessoas se sentirem que este também é um local que podem habitar. Porque quando falamos de cultura, falamos de quem somos, de quem gostaríamos de ser, de onde pertencemos, de como queremos pertencer. E todos nós, sem excepção, queremos sabaer a que sociedade pertencemos. Mais do que isso, que sociedade queremos criar, como queremos estar uns com os outros." 
                 Helena Barros, in Açoriano Oriental, 28 de Março de 2025

quinta-feira, 27 de março de 2025

CAC - ARQUIPÉLAGO: 10 Anos!

         O Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas – baluarte artístico e arquitectónico da cidade da Ribeira Grande - comemora este sábado, dia 29 de Março, dez anos de idade. Para abrilhantar a cerimónia há um concerto na blackbox do trio André Rosinha (Marcos Cavaleiro na bateria, João Paulo Esteves da Silva no piano e André Rosinha no contrabaixo), que irá apresentar o álbum “Raiz”, editado em Janeiro deste ano.
        Numa década de actividade, o espaço do CAC foi palco de muitas exposições e variados acontecimentos artísticos que marcaram a cultura insular. À memória salta logo a “Festa. Fúria. Femina. – Obras da Coleção FLAD”, ainda a retrospetiva da obra do pintor Urbano, “De Natura Maris”, ou o legado expositivo das obras de Maria José Cavaco com “Lugares de Fractura”, a poesia visual e gráfica de Ana Hatherly, através da colecção da FLAD, ou o sucesso da colectiva “Quatro Quatro”, exposição de 20 artistas a viver no território açoriano, num ciclo expositivo de 4 artistas X 5 momentos de exposição (cada 4 artistas convidavam 4 artistas para o momento seguinte). No que toca ao audiovisual, destaque-se as apresentações anuais de videoarte nas edições do “Fuso-Insular”, um evento que vai crescendo dada a sua  perspetiva divulgadora e formadora, sempre sob a supervisão de Rachel Korman. Quanto à programação de cinema na blackbox, por lá foram vistos essencialmente documentários - “Natureza Morta”  e “48”, de Susana de Sousa Dias, Aztrakan 79, de Catarina Mourão, “Lúcia e Conceição”, de Fernando Matos Silva, entre outros. Pena que o cinema ocupe uma função tão residual numa cidade sem programação de cinema contemporâneo, isto é, sem filmes em cartaz. No entanto, tem sido a música que tem pontuado mais aquele espaço, pois já foram muitos os músicos e projectos musicais que por ali passaram, tanto nacionais como internacionais. Recorde-se, assim, Marina Holper, Joana Gama e Luís Fernandes, que acturaram nas edições do Tremor, ou ainda os concertos dos açorianos: PS.Lucas, WE SEA, King John, PMDS, Engengroaldenga, Ângela da Ponte, Marianna, Sara Ross, Diana Botelho Vieira, Katerina L’dokova, Sara Cruz, Ana Paula Andrade, etc.
        O Arquipélago - CAC, ao longo destes dez anos, consolidou a sua centralidade e relevância junto da comunidade artística insular, essencialmente nas artes plásticas e na música, podendo ambicionar mais e melhor em áreas como o teatro ou o cinema, bem como potenciar expandir o seu raio de ação junto da comunidade local, apostando na formação de novos públicos e no provimento efetivo do seu serviço educativo. Por agora, ficam aqui os mais que merecidos parabéns!

Dia Mundial do Teatro no Teatro Micaelense

        Foram três representações de teatro escolar no Teatro Micaelense para  celebrar o Dia Mundial de Teatro. Durante duas horas circularam pelo palco os alunos das escolas secundárias Antero de Quental, Domingos Rebelo e da Escola Secundária de Lagoa. 
         A sessão começou com vários quadros da emigração micaelense, a inspiração foi a pintura "Os Emigrantes", de Domingos Rebelo, 1925, com os alunos da Antero de Quental a recriar situações de partida e procura de novos horizontes protagonizados por todos aqueles que um dia deixaram o território insular.Seguiram-se os telemóveis, seu uso e abuso, em modo ruidoso e aditivo, a possível reprodução dos seus efeitos e consequências na juventude hodierna, numa proposta dos alunos da Domingos Rebelo. Por último, a fantasia, sonho e poesia de Sophia de Melo Breyner, através do texto "A Menina do Mar", numa interpretação competente e segura pelo grupo "A Faísca", da Escola Secundária de Lagoa! Foi, sem qualquer dúvida, uma bela manhã de teatro a celebrar a arte de Talma.

Obrigado, José Brandão!

José Brandão
Designer 
1944-2025
 

quarta-feira, 26 de março de 2025

Os Pássaros Nascem na Ponta das Árvores

Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
Deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
Quando o Outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
Mas deixo essa forma de dizer ao romancista
É complicada e não se dá bem na poesia
 
Não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração

Ruy Belo, in O Homem de Palavra(s), 1969

segunda-feira, 24 de março de 2025

domingo, 23 de março de 2025

O Limite de Elio Pecora

 Ficar aqui, nas estações que mudam,
é a norma comum: o dom extremo e a saída,
A quem galgou o limiar não é dado voltar:
talvez tão só no sonho diga palavras soltas
demasiado parecidas com estas dos nossos percursos.
E seguimos absortos, às vezes surpresos,
cada espera é um jogo,
cada dúvida o encalhar de uma deriva,
e damos números aos dias,
pés aos desejos,
confins ao vaguear
-desprovidos de mapas, desconhecendo o porto.


in Poemas Escolhidos, tradução de Simonneta Neto, Quasi Edições, 2008

Verso de Filipe Furtado

 E se houvesse amanhã era um sol mais lindo

sábado, 22 de março de 2025

...

Mais do que uma vez 
atravessei a Primavera 
com os olhos fechados 

Jorge Sousa Braga, in O Poeta Nu (Poesia Reunida) Assírio&Alvim,2007

No Meu País de Sebastião Alba

No meu país
dardejado de sol e da caca dos gaios
só há estâncias
(de veraneio) na poesia
Nossos lábios
a um metro e setenta e tal
do chão amarelecido
dos símbolos
abrem para fora
por dois gomos de frio
Nossos lábios outonais, digo,
outonais doze meses
No entanto
à flor do possível
geografia
um frémito cinde
as estações do ano