terça-feira, 25 de novembro de 2025

59 de Manuel Zerbone

       "(...) Não sei bem porque sinto esta necessidade de deixar transparecer uma melancolia triste que me encolve, sem causa que eu possa precisamente determinar. Mas, todavia, é assim.
      Nem já os campos me alegram, essas crianças eternas, que despem cada Inverno o manto suavíssimo das suas ilusões, para novamente se enfeitarem com ele nas suas Primaveras que se sucedem; nem o mar com os seus suspiros de ternura, nem com os seus rugidos de cólera, nem com a sua vastidão imensa, por cima da qual o meu espírito paira e se agita às vezes, como a pena caída da asa de uma pomba, pode vogar em baldões, à tona de uma niágara que se despenha em cascatas de espuma. 
       Quando assim anda enlutado o nosso espírito, a ponto que nem mesmo a música
, esse bálsamo consolador de todas as amarguras, pode fazer-lhe bem, em tudo vemos um motivo tristeza, e os nossos corações abrem-se facilmente para receber e compreender as mágoas daqueles que nos parecem ainda mais infelizes que nós."

14 de Novembro de 1886, in Crónicas Alegres, 1884-1888, Organização Carlos Lobão e Urbano Bettencourt, Edição Núcleo Cultural da Horta. 

Novembro de Almeida Firmino

Vão em romagem de silêncio
Ao cemitério do seu berço 
(Os crisântemos junto ao peito
Num jeito de contrição)
Depor as pétalas de saudade 
Nas compras do perdão.

No aceno breve do seu olhar 
O diálogo mudo de mágoa
Só memória e asa...
E se vão calados, tristes e sós 
Mais tristes e sós voltam a casa.

Não estão longe os seus mortos, não...
Vivem aqui perto e felizes 
À sombra dos ciprestes 
Bem junto ao coração.

Mas os meuss que ficaram 
(Feitas as malas e a viagem)
Para lá do mar a distância...
Como tocar a sua imagem?


in Narcose, Obra Poética Completa, Colecção Gaivota/27, 1982, Secretaria Regional da Educação e Cultura

Da Terra...

        Mas pouco a pouco descobrimos que não ouviremos mais o riso claro daquele companheiro; descobrimos que aquele jardim está fechado para sempre. Então começa o nosso verdadeiro luto, que não é desesperado, mas um pouco amargo. Nada jamais, na verdade, substituirá o companheiro perdido.  Ninguém pode criar velhos companheiros. Nada vale o tesouro de tantas recordações  comuns, de tantas horas vividas juntos, de tantas reconciliações, de tantos impulsos afecxtivos. Não se reconstroem essas amizades. Seria inútil plantar um carvalho na esperança  de ter, em breve, o abrigo de suas folhas. 

Antoine de Saint-Exupéry, Terra de Homens. 

Verso de David Sylvian

 Come lead me through the morning for the land that I long to see again 

Do Outono

       O facto pelo qual prefiro o Outono à Primavera é porque no Outono olhamos para o céu, na Primavera para para a terra. 

Soren Kierkegaard 

Debaixo do betão...

Fotografia de Jorge Kol de Carvalho 
 

domingo, 23 de novembro de 2025

Deriva Litoral de Sofia Barata

Clube de Cinema da Ribeira Grande 
Exibido dia 21 de Novembro de 2025
18h30
           O documentário de Sofia Barata sobre a erosão costeira conta já uma década de existência da sua realização mas só agora foi possível vê-lo nestas paragens. O diagnóstico é preciso – as praias estão cada vez mais pequenas, o mar vai ganhando terreno e ameaça a segurança de pessoas e dos seu bens materiais.
        As razões desta erosão? Essas são múltiplas, aqui esclarecidas por Ana Carrilho, Bruno Pedrosa, Cátia Azevedo Clife, Pedro Hugo, Domingues Laura Tubarão e Tiago Abreu. Ao longo dos seus 75 minutos, Deriva Litoral mostra-nos imagens da costa portuguesa e a acentuada erosão das suas praias. Uma reflexão da situação actual será cada mais premente e necessária. 

Do Abrigo

   "Talvez o problema seja confundirmos segurança com hostilidade. Queremos cidades aparentemente perfeitas, mas a humanidade é desarrumada por natureza. Faz barulho, ocupa espaço, cheira a sopa e cigarro. Uma cidade que não tolera isso é uma cidade que deixou de ser casa."
 Catarina Valadão, in "A Cidade que não sabe ser um abrigo", Açoriano Oriental, 22 de Novembro, 2025. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Filipe Furtado: As Primaveras Outonais!

  “Como Se Matam Primaveras” é o título do novo trabalho musical de Filipe Furtado Trio, três anos depois de “Prelúdio”, álbum debutante. Este novo trabalho anuncia uma transição gradual da guitarra para o piano, onde Filipe Furtado partilha o palco com os músicos Paulo Silva (bateria) e ao Filipe Fidalgo (saxofone). 
       Desta feita a solo, o músico açoriano prepara-se para voltar a casa em Dezembro e tocar num concerto ilustrado no FLOP – Mercado da Banda Desenhada e do Fanzine, no próximo dia 6 de Dezembro, na Biblioteca Arquivo Municipal, em Ponta Delgada. Entretanto, a Douta Melancolia conversou com ele para atestar o seu estado musical.

Douta Melancolia: “Como se Matam Primaveras” é o teu novo álbum editado no fim de Maio. Como é que foi o processo até chegares à edição?
Filipe Furtado: Quando o Prelúdio sai a público, com as demoras inerentes a um primeiro lançamento, já estava noutra fase de pensar a minha linguagem e a minha composição e já a iniciar o processo de fazer novas canções, de continuar a compor material novo. Depois foi começar a trabalhar esses temas com o restante trio, integrar alguns nos repertórios ao vivo, de forma a muscular essas composições, perceber que caminhos poderiam seguir. Nas questões pragmáticas de gravações, mistura e masterização levamos quase dois anos a terminar o álbum.
DM: O que é que estás a preparar para os concertos ao vivo?
FF: Os concertos ao vivo são onde a magia acontece. Todos os concertos são diferentes, principalmente, onde pode haver mais improvisação. Tento sempre pensar como posso fazer as coisas melhor ou de forma diferente, muitos vezes ajustando também ao estado de espírito com que subimos a palco. Alguns poemas do álbum ganham um outra vida em palco, trocamos as sonoplastias e os floreados minimalistas por uma nova vida harmónica e melódica, de forma espontânea que nós os três seguimos intuitivamente. 
DM: Quais são os motores essenciais à criação/processo criativo das novas músicas?
FF: Penso que, em primeiro lugar, essa transição gradual da guitarra para o piano. Sentia que a guitarra, o meu primeiro instrumento, já não me permitia percorrer os caminhos que começava a imaginar para a música que queria fazer/escrever. O tempo também é um factor de mudança grande. O "Prelúdio" havia sido o primeiro álbum, inevitavelmente para mim um compêndio com as primeiras experiências a compor, a escrever, a musicar poemas e, ainda para mais, já desfasado no tempo. Um segundo álbum já vem com outra maturidade, menos desconhecimento sobre todo o processo de gravar um álbum, vem com essas outras referências que passara a escutar com outra atenção. Vem, certamente, muito da experiência em palco que fui adquirindo e desenvolvendo com o Paulo e com o Fidalgo enquanto trio. Em função dessa possível maturidade também uma escrita que também transmita maior pensamento e questionamento político e filosófico. Claro, a tentativa de abordar a música próxima de linguagens do cinema ou da fotografia. Interessa-me muito essa ideia de viagem, da viagem que esses formatos nos permitem também pela nostalgia, pela melancolia, porum contexto do tempo e espaço. Foi propositado todo o processo fotográfico analógico para as capas de singles e do álbum "Como Se Matam Primaveras". Os livros são sempre uma foto importante para imaginar e dar corpo a canções. A "Ada" é uma leitura musical sobre um romance de Vladimir Nabokov com o mesmo título, por exemplo, um dos escritores que lia ainda nos tempos das aulas de literatura russa na Faculdade de Letras de Coimbra.     
DM: Este disco dá continuidade ao “Prelúdio”?
FF: Acho que o único elo de ligação é ao single do "Prelúdio", a canção "Uma Coisa Linda de Morrer", que havia sido a última a integrar o alinhamento do primeiro álbum e já representava uma transição para o piano, para os teclados. Entre nesses novos horizontes instrumentais e cinematográficos que começava a procurar. Há um afastamento óbvio da guitarra, até dessa influência muito grande do cancioneiro do Brasil, da Bossa Nova. Estava a voltar a querer abraçar o jazz, pelo menos nas suas formas contemporâneas menos verticais, mais abrangentes. Comecei a ouvir muito a cena UK Jazz, que é uma mistura muito grande e muito versátil. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Tira o Disco e Toca ao Vivo

A Indústria Musical em Portugal
João Gobern

     A pequena indústria musical portuguesa  mudou muito nas últimas décadas, parece ser esse o diagnóstico  feito pelo jornalista João Gobern. A começar pela ideia de que "antes faziam-se concertos para vender discos. Agora editam-se dicos para conseguir concertos.". A difusão das bandas e dos seus trabahos é a norma visível num tempo em que as plataformas electrónicas de divulgação jogam um papel fundamental no acesso do público às bandas com mais audiência, que depois podem ou não realizar concertos. A edição deste ensaio do antigo director do semanário musical Se7e pertence à Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Do Estudo

 Estudo sugere que primeiro beijo pode ter surgido há 21 milhões de anos
in Jornal Expresso, Lusa. 

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Ceausescu...até Brejnev

Surda de Eva Libertad

Surda de Eva Libertad, 2025 

 Esta película põe em causa o nosso sentimento básico de vivermos de acordo com a dita normalidade. Àngela é surda e vive uma vida feliz com Héctor, o seu companheiro. Entretanto, eis que chega um novo membro à família e tudo se altera. Eva Libertad consegue dar-nos essa dimensão de inadequação do personagem principal, torna-nos cúmplices desse desconforto ao jogar com o som e o silêncio, a incomidade de quem pouco ou nada escuta. Trata-se de "outro mundo" a precisar de compreensão, quem sabe, outro olhar e, porque não, outro sentir. 

Bestiário dos Rios

BD de Filipe Felizardo
Coletivo Guarda Rios 
   Como podemos conhecer as novas espécies que se encontram nos nossos rios? O Coletivo Guarda Rios fomenta acções artísticas participadas, apelando ao envolvimento das comunidades - caminhadas, dinâmicas de grupo, jogos, desenhos, instalações na paisagem - e que para isso junta gente das artes plásticas, tecnologia, arquitectura, ecologia e outros interessados. Recentemente estiveram nos Açores, na Ilha de São Miguel, na Bienal do Walk&Talk onde apresentaram, conjuntamente com a comunidade escolar da Ribeira Grande, um projecto junto das quedas de água e ribeiras.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Um Poema de Gastão Cruz

 Where are the songs of Spring? Ay, Wheree
are they?
Think not of them, thou hast thy music too.

Keats, To Autumn

Não penses nas canções da Primavera que
duraram o tempo que deviam
é do Outono o som destas planícies
destes corpos talvez demasiado
consumidos

Ouve os frutos da música é o tempo
de nebulosos frutos 
cede às livres tempestades
do vento à 
alegria que te magoa os lábios 

Não penses nas canções da Primavera na
beleza que morre
no veneno da terra
consumirás ainda a parte do meu corpo
mais tardia

A beleza que deve então
morrer 
dentro da alegria escolherá 
ruína terra som melancolia

in "Os Poemas - 1960-2006", Assírio &Alvim.

O Sítio Inverso

Um sítio 
onde o mar corre prós rios
onde a luz que há de dia 
é de noite que alumia

e o verão é a estação dos frios

Um sitio 
Onde as coisas que há de pé 
Estão sentadas 
E onde o vento ao soprar 
deixa as coisas mais paradas

Um sítio branco
um sítio tal que o deserto aqui
é floresta tropical 
e o lume é gelo 
e a montanha vale

Um sítio roxo
um sítio que é o inverso dos lugares 
aqui o são é coxo
e o cego rasga os mares

Inventar um sítio assim:
fazê-lo de tão sábios traços
que ao supores fugir de mim
me venhas cair nos braços
.

João Habitualmente, in  Poemas em Peças - Quase Dito, Fevereiro de 2014. 

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Era uma vez uma Capital da Cultura...

       Não havia apenas mais filmes para ver na tela grande, peças de teatro para fruir, bons concertos de música para assistir, mas também muito mais gente envolvida nas ditas actividades culturais, mais gente capacitada para realizar peças de teatro e estar em palco, outras ainda que pudessem arriscar realizar filmes, interpretar papéis no cinema português e estrangeiro, mais juventude a tocar nas filarmónicas, pessoas mais capacitadas para organizar e promover actividades culturais. Sim, é verdade, mais espectadores emancipados, críticos e intervenientes do espaço público, impulsionadores de eventos exigentes, reflexivos, aglutinadores, divertidos, etc. Enfim, que possa ser um momento de partilha e reunião, uma possibilidade de mobilizar e convocar a esperança...

Verso dos Divine Comedy

 The heart is a lonely hunter 

domingo, 16 de novembro de 2025

O Homem de Argila de Anaïs Tellenne

O Homem de Argila, 2023
   Dois  actores surpreendentes, Raphael Théry e Emmanuelle Devos, um cenário bucólico, esteticamente imponente, compõe este instigante filme da  Anaïs Tellenne. O tema gira em torno da arte e os limites do artista na sua relação com o objecto da sua arte, o seu modelo, a sua paisagem. Até que ponto podemos usar o objecto da nossa arte e logo abandoná-lo quando este se encontra concluído? Anaïs Tellenne filma com sensibilidade, sabe esculpir esta narrativa com foros de fantástico mas que é sobretudo um hino à arte, à poesia visual e à criatividade.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Espera-me

Nas praias que são o rosto branco das amadas mortas
Deixarei que o teu nome se perca repetido

Mas espera-me:
Pois por mais longos que sejam os caminhos 
Eu regresso

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Coral, Caminho, 1958.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

O Mundo Aqui: Batucadeiras de Santiago!

           Todos os anos em Novembro, por esta altura, a AIPA (Associação de Imigrantes dos Açores) agrega e promove uma festa com gente de muitas proveniências num único espaço: o Multiusos das Portas do Mar, em Ponta Delgada. É comum encontrar comida, artesanato, artes visuais e muita música para fruir naquele espaço em apenas dois dias. Neste evento podemos saborear as comidas e bebidas dos países e povos que aqui vivem e trabalham – da cachupa à muamba de galinha, da feijoada ao cuscuz, passando pelos tacos, chamuças, ou ainda beber um grogue, provar uma caipirinha ou degustar uma sobremesa como o bolo de coco ou cenoura, tudo é possível nesta gastronomia rica e variada.

Herança di nós Terra
Fotografia de Jorge Kol de Carvalho
  A boa surpresa da edição deste ano foram as batucadeiras, mulheres que nos trouxeram a raiz tradicio
nal da música de Cabo Verde - Herança di nós Terra, oriundos de São Domingos, naturais da Ilha de Santiago e que vieram até São Miguel celebrar o batuco e as suas composições que retratam o seu modo vida, as inquietações e a cultura cabo-verdiana. São, assim, mulheres de todas as idades que utilizam o batuco, expressão musical candidata a património cultural imaterial, e que durante uma hora dançam e cantam num ritmo harmónico e frenético. Animados em palco pela Ineida Sena, que é polícia de profissão, e que nos foi elucidando quanto aos temas e a forma de os “traduzir” a partir do criolo, sobretudo para um público interessado, vibrante e rendido.
         Parabéns, portanto, às batucadeiras de Santiago e votos renovados de estímulo e incentivo aos organizadores desta iniciativa de enorme valor comunitário.

domingo, 9 de novembro de 2025

CAC: Nova Direcção

       "Um aspecto que me parece realmente importante é reforçar a proximidade com a comunidade, com o lugar e, neste caso, com a Ribeira Grande. Precisamos de encontrar formas para derrubar um conjunto de "muros invisíveis". Como referi anteriormente, a linguagem contemporânea não é próxima para a maioria da população (dos Açores), e é fundamental estratégias para chegar a públicos menos familiarizados com o tipo de propostas artísticas que desenvolvemos..
       (...) É fundamental que as crianças e jovens vão ao Arquipélago, mas também que se desenvolva trabalho de proximidade continuado. Um dos grandes desafios de hoje são as dificuldades financeiras associadas ao transporte destes jovens. Os autocarros e transportes públicos são, de facto, um constrangimento, sobretudo na deslocação dos mais novos."

Alexandre Pascoal, in Açoriano Oriental, 9 de Novembro de 2025.

Verso dos WE SEA

Quero o fulgor de velhas canções

Do Medo

        "O medo de sair (da sociedade autoritária do medo) fez com que nunca realmente se saísse do medo. Como se voltou à velha tendência nacional de não conflitualidade social e política, ela infiltrou-se naturalmente na ausência de conflito inerente à sociedade globalizada de controlo. O salazarismo havia obtiddo a supressão dos conflitos com a repressão, mas a passagem actual para a mundialização reactiva a tendência, democraticamente, graças à existência da norma única (que é ausência de norma e de autoridade visíveis)."

José Gil, Portugal, Hoje. O Medo de Existir, Relógio D´Água Edições, 2005

sábado, 8 de novembro de 2025

Alfredo, O Coleccionador de Borboletas

S.A Marionetas
Teatro & Bonecos no CAC

na 2ªEdição do FIO
S
  Ali estavam as crianças e os professores acompanhantes para assistir ao "Alfredo, Coleccionador de Borboletas" pela S.A Marioneta Teatro & Bonecos, sediada em Alcobaça desde 1997. A blackbox estava cheia e ansiosa para assitir às peripécias de um coleccionador de borboletas vermelhas, por sinal  oriundo de um país distante que um dia repara que já não possui as suas duas pernas. Entretanto Alfredo irá deixar de ser lepidopterista pelo seu amor à liberdade e à vontade de ser livre. Um espectáculo bonito, sem dúvida! O texto do espectáculo é de autoria de José Manuel Valbom Gil, sendo a manipulação dos bonecos de José Gil e Natacha Costa Pereira.

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Adeus, Gianni Berengo Gardin

 DM: Gianni, conosce la parola portoghese “saudade”? Le dice qualcosa?
GBG: Sì, certo. Credo che alcune mie fotografie possano indurre un simile sentimento.
 in FALTA fanzine, 2018, Tradução Eva Giacomello.
        
          
      Gianni Berengo Gardin faleceu no Verão deste ano, com 94 anos. Só me dei conta do seu trabalho fotográfico em solo açoriano, decorria o ano de 2018 e foi um acontecimento surpreendente dado que desejei de imediato conhecer a sua obra e entrevistá-lo para a FALTA fanzine, uma publicação com seis números que um grupo de amigos se disponibilizou a editar. Trabalhávamos, portanto, nas Oficinas de São Miguel no número inicial da fanzine FALTA quando nos deparámos com uma mala cheia de revistas da publicação alemã intitulada Mare. Entre elas o número 18 - uma edição dedicada àquela cidade “familiar e estrangeira”, de seu nome Veneza. Ele ficaria para sempre conhecido pelo “fotógrafo de Veneza”, apesar de ter nascido na Ligúria, tendo editado ao longo de 50 anos de carreira mais de 250 livros, tal como aquele em que expõe a sua descaraterização pelo turismo de massas -“Veneza e le Grande Navi”.
        Naquela edição da revista Mare soltava-se, assim, o nome de Gianni Berengo Gardin, encontrando-se por lá alguns registos fotográficos das construções venezianas sobre o mar, as gôndolas que varrem a paisagem líquida desta cidade italiana, o Vaporetto com gente de todas as classes, os jovens clérigos que passeiam pelas avenidas, outros jovens reunidos na praia do Lido a ouvir música desde uma grafonola. Demorou pouco tempo até procurarmos a origem e biografia deste fotógrafo. O fascínio pelas suas imagens fez com que gostaríamos que este estivesse presente no número 1 da nossa revista marcada pelas artes gráficas. Será que ele aceitaria?
        O pedido da entrevista começou por ser feito através da sua Agência Fotográfica, Contrasto, que só depois de algum tempo nos concedeu o contacto pessoal de Gianni. A resposta demorou – foi necessário enviar o nº0 da FALTA – mas o remetente vinha carregado de amabilidade e generosidade. A verdade é que um dos mais antigos fotógrafos italianos em actividade tinha acedido conversar com uma fanzine/revista sediada no meio do atlântico. A sua filha, Susanna Gardin, conhecida por tratar do acervo fotográfico de seu pai, fez-lhe chegar as perguntas bem como nos enviou, prontamente, as respostas. Entretanto, o encarte pretendido não se consumou, pois havia uma verba envolvida que não conseguíamos comportar. Sobraram duas belíssimas fotografias para o interior da revista e a certeza de que lhe endereçaríamos um exemplar.
        A satisfação da curiosidade, nesta entrevista inesquecível, deu-se pela  afirmação de uma fotografia enquanto “documento, testemunho do mundo em que vivemos” e do trabalho do fotógrafo feito de estudo nesse “aprender como ver e contar as coisas”. O espanto surgiu do seu desconhecimento de Portugal ainda que conhecesse (e bem!) a obra de Gérard Castello-Lopes ou que reconhecesse nas suas próprias fotografias um sentimento semelhante à  saudade. Logo na abertura do mês de Agosto passado, Gianni Berengo Gardin deixou de fotografar…o futuro dir-nos-á da sua importância!

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Viva a Democracia sem pancadaria 

Verso de Garota Não

 Abram portas e janelas 

Da Proximidade

      "Sabendo que as políticas sociais têm mais hipótese de eficácia quando desenvolvidas em proximidade, seria importante mapear o concelho para identificar zonas sensíveis ao abandono escolar, pobreza e droga, e criar equipas de intervenção para intervir no terreno."

Rui Pedro Paiva, in Carta Aberta ao Futuro ou um Ensaio Sobre a Passagem do Tempo,  in Avenida Marginal (Re) Imaginar Ponta Delgada, edição Artes&Letras, Julho de 2025.

E à Esquerda Nada de Novo?

     "Catherine Connoly, Zohran Mamdani ou até Sónia Nicolau, de Ponta Delgada, podem mostrar que há outra formas de inclinar a escolha política para outro lado, mas são exceções a uma regra de desnorte. Se na semana passada, quiséssemos olhar para a regra, bastaria evocar o fim ao ralenti de Mariana Mortágua, ou a dispersão de candidaturas presidenciais à esquerda, para qual o Livre deu mais um incompreensível contributo embrulhado num processo de decisão esdrúxulo. Claro que que António José Seguro também não ajuda, surdo ao apelo de Nanni Moretti de dizer "qualquer coisa de esquerda". Uma falta de coragem e de clarividência que também é regra."

David Pontes, in "E à Esquerda Nada de Novo?", editorial Público, 27 de Outubro de 2025. 

terça-feira, 28 de outubro de 2025

Fim de Semana com o Fuso Insular

         O mar está revolto neste final de Outubro, após queda de tantas águas e enxurradas com prenúncio de tempestades para o Inverno  que se avizinha. 
         O Fuso Insular existe há sete anos mas esta é a sexta edição do Laboratório da Imagem, atividade que decorre durante o verão e que tem, no final de Outubro, o seu apogeu com a apresentação dos trabalhos visuais dos seus participantes. Com propostas pessoais, autobiográficas ou relacionadas com o arquipélago em questão, as obras mostram-nos o empenho e a criatividade de quem se submete ao olhar e escrutínio de quem assiste. A realizadora convidada deste ano foi Cláudia Varejão, que nos deu a conhecer os seus dois documentários mais recentes - "Haverá Eleições" e "Kora". O primeiro é uma deliciosa montagem de imagens de arquivo e depoimentos sobre as primeiras eleições livres em Portugal (92% de participação), com especial pendor no feminino. O segundo é uma visão testemunhal de mulheres estrangeiras que habitam no nosso país - as suas alegrias, dores e sentimentos de quem deixou a sua vida anterior para trás e que procura, nestas paragens, uma nova vida com paz e esperança. Esta última é, sem dúvida, uma peça documental de fina beleza e com a música delicadíssima de Joana Gama.

"De Perto Ninguém é Normal" no Ribeiragrandense

  De Perto Ninguém é Normal, uma comédia "obssessiva" de Laurent Baffie com encenação de Rafael Medrado, teve lugar no último fim de semana no Teatro Ribeiragrandense. A peça, situada num consultório de um psicanalista, dá-nos a ver um grupo de pacientes que são portadores de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Numa conjuntura social algo fascinada pelo tema da Saúde Mental, mas pouco eficaz nas suas soluções, a peça encontra facilmente eco, riso e público assegurado. O palco é, assim, espelho das nossas sociedades contemporâneas que assentam muitos dos seus comportamentos sociais na demonstração da eficácia, produtividade ou perfeição, no entanto, escondem nas suas estranhas um número cada vez maior de indivíduos fragilizados, imperfeitos e reticentes à noção de falha ou fracasso. Entre a dor interior e a medicação farmacológica  são muitos os que nos vão mostrando que "De Perto Ninguém é Normal". Foi nisso que apostou esta encenação plena de boa disposição e criatividade de Rafael Medrado bem como o seu elenco, algo "transtornado", mas muito seguro e inspirado - André Melo, José Jorge, Katarina Rodrigues, Marta Aguiar, Nuno Pequeno Rei e Pilar Silvestre. Em jeito de conclusão e, tal como diz o poema, "e...se fossemos rir de tudo?". 

sábado, 25 de outubro de 2025

As Ondas

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim

Sophia de Mello Breyner Andresen 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

17

A notícia irrompia como uma fenda numa estrutura. Estava estirado num cadeirão, à frente do computador e o nome da rua era jogo da bola. A urgência vinha do outro lado da linha, a diligência urgente pela aceitação do horário, ao mesmo tempo implicava a despedida rápida de pessoas e o desfazer de coisas para a prontidão da viagem. Lembro-me como se fosse hoje: a humidade altíssima, a escassez de ar, a diminuição de energia, a lassitude dos dias ainda estivais, o confronto com o mormaço, que transformava tudo em suor, em cansaço. A interrogação inicial girava em torno do tempo, a adaptação à vida insular, passando da estalagem para o hotel como se não houvesse mais nenhum lugar disponível. À memória salta, pois, a visão idílica da baía de Porto Pim, com mergulho e paragens certas no café Vinte. Eram os primeiros passos, as impressões essenciais do colosso do Pico, uma respiração desconhecida, original, fundamental. Não era a primeira vez, mas foi como se fosse. 

Ontem, escrto numa parede da cidade

 Mais vale vivo do que mal acompanhado

Das Flores

Ainda não se olhou o suficiente para as flores, para um caule de erva,
ainda não se deu a atenção devida à natureza.
Uma flor é umu universo de beleza.
Ver, ver...como se fosse a primeira vez.
A cor, fantástica.

Lourdes Castro, in "Existe Luz na Sombra", CAC, 2025

Sobre Goiabas e Migrações

     “Raramente pensamos nisso, mas os Açores são, porventura, o mais perfeito exemplo do resultado dos fluxos migratórios. Nada é autóctone. Tudo veio de algum lado. É um primeiro ponto.
         Antes de haver Atlântico nem as ilhas existiam. Foi preciso e tem sido preciso haver vulcões e erupções para aparecerem terras à superfície do oceano. Até a própria lava migra das profundezas, se quisermos ver isso em termos poéticos, misturando-se material magmático de anteriores erupções e criando, alterando, acrescentando as ilhas e os seus territórios.
        Quanto às plantas, mesmo as hoje descritas como endémicas, resultaram essencialmente de sementes deixadas por aves de arribação, e tudo se foi instalando, com tempo e vagar, acabando por formar aquele ambiente que Gaspar Fructuoso refere como existente à data do povoamento, nas suas “Saudades da Terra”.
        Chegados os humanos e verificando que frutas e cereais não existiam, coisa essencial à sua subsistência, toca de plantar essas e outras novidades onde melhor lhes parecia. Primeiro foram coisas do velho mundo, depois começaram a ser as que as viagens marítimas iam tornando conhecidas, sempre de cada vez mais longe.”

Francisco Maduro Dias, in “Sobre goiabas e migrações", Açoriano Oriental, 20 de Outubro de 2025.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Uma Capa

Ilustração de André Carrilho
Capa do Público 
Domingo, 5 de Outubro de 2025
     

Da Dissimulação

      Dissimular o que se é, simular o que não se é...Isso implica inegavelmente não dizer - nunca o que se pensa e o que se crê; e também : dizer - sempre - o contrário. 
Alexandre Koyré, in Reflexões sobre a Mentira, frenesí, 1996. 

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Clube de Cinema da Ribeira Grande: Rei dos Elfos

         “Rei dos Elfos”, de Goran Radovanovic, foi o segundo filme deste autor a ser  apresentado pelo Clube de Cinema da Ribeira  Grande,  neste retomar das suas sessões semanais, às sextas-feiras, no Teatro Ribeiragrandense a partir das 18h30. O primeiro filme foi “Ambulância”, 2011, que retratava a passagem da Sérvia comunista para o conjunto de democracias europeias, sendo aqui a ambulância o elemento central da narrativa. Já o “Rei dos Elfos”, que conta com as interpretações intensas de Jaksa Prpic e Sara Klimoska, pretende retratar a vida de uma criança de 8 anos, de seu nome Sava, com pai distante a trabalhar nos mares da América do Sul, e onde partilha a vida num apartamento com a mãe e irmão bebé. A vida em Belgrado, no ano de 1999, foi recheada de bombardeamentos da NATO sobre a Sérvia e nem a inocência e a sensibilidade de Sava nos impede de imaginar o caos de um país a viver nos subterrâneos da existência. Com o título sérvio "Bauk", Goran Radovanovic tenta imaginar um futuro sem ódios, guerra e hostilidades através dos olhos de uma criança.

Verso de Tcheka

 ku ronku di mar ti n´doda 

Provérbio

Não há mar bravo que não amansse 

Por Onde Anda a Alma da Cidade?

            "(...) O que falta a esta cidade de escassas duas centenas de milhar de habitantes e um número indeterminado de população flutuante? (cálculo da polução residente nas freguesias urbans segundo o censo de 2021). Falta-lhe visão e planeamento urbano. Falta-lhe vida económica e cívica. Falta-lhe habitação a custos acessíveis. Falta-lhe uma política cultural que ultrapasse o mero entretenimento, projectada para a criação artística e para a valorização do património. Falta-lhes espaços verdes de proximidade. Falta-lhe educação, participação democrática, bem estar e desenvolvimento ético como única via para "curar" a cidade por meio da "alma" dos seus cidadãos." 

Isabel Soares de Albergaria in Avenida Marginal:Re(imaginar) Ponta Delgada, Artes e Letras Editora, Agosto de 2025

Avenida Marginal: (Re) Imaginar Ponta Delgada

        O nº6 da revista Avenida Marginal é, toda ela, dedicada a Re(Imaginar Ponta Delgada, e acaba de ser apresentada em Setembro com um conjunto de ensaios sobre a maior cidade insular. Esta súmula de textos/ensaios, para além das fotografias de Andrea Santolaya (capa) e Paulo Bettencourt (interior), permite-nos uma longa reflexão e perspetivas várias, umas esperançosas, outras nem tanto. 
       São, portanto, várias as visões, sobre esta cidade que reflecte tensões antigas sobre a sua identidade bem como conflitos e anseios criados pela nova economia gerada pelo turismo. Os autores dos textos são: Francisco Monteiro da Silva, Isabel Soares de Albergaria, Jesse James, Joana Borges Coutinho, João de Melo, João Mendes Coelho, Maria Emanuel Albergaria, Nuno Costa Santos, Paula Cabral, Pedro Arruda e Rui Pedro Paiva. O seu preço de capa é 15 euros. 

Claudia Cardinale (1938-2025)

A Rapariga da Mala de Valerio Zurlini 
Daqui: wikimedia Commons
 

terça-feira, 16 de setembro de 2025

CAC: Um Sábado na Criação!

Lourdes Castro: Existe Luz na Sombra

       Os sábados são propícios à conversa, à escuta, e é Denise Pollini que vai soltando exemplos de projetos artísticos com participação pública, tais como os “Domingos da Criação”, em plena ditadura militar brasileira no final dos anos 60, por Frederico Morais, à altura crítico e curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Fomos também passando os olhos pelo trabalho de Elvira Leite nos idos anos 70, no largo de Pena Ventosa, no Bairro da Sé, no Porto, com fotografias de crianças e jovens a desenhar e pintar nas ruas ou construir carrinhos de rolamentos ou ainda a performance The Crystal Quilt (1985-1987), da artista Suzanne Lacy, para nos lembrar que os idosos existem e que nem sempre a arte foi tão institucional. Ela trouxe, por isso, o conceito de Comuns, em que fala da partilha de recursos e da criação colaborativa de conhecimento, tão necessária nos dias que correm.
      Uma manhã que logo daria lugar à tarde com a inauguração, nos vários espaços do Arquipélago, Centro de Artes Contemporâneas, da exposição “Lourdes Castro: Existe luz na Sombra”, com a curadoria de Márcia de Sousa. É uma mostra extensa da artista madeirense que nos deixou em Janeiro de 2022, não faltando ali praticamente nada sobre a vida e obra de uma mulher talentosa que marcaria de forma indelével a arte portuguesa do século XX. É uma exposição vibrante – como são belas as capas da revista KWY ou as serigrafias do seu herbário! – ou ainda todas as suas frases e bolbos espalhados pelas celas daquele espaço. Certamente que um dia não chegará para nos abrigar de tanta sombra!


domingo, 14 de setembro de 2025

Yuzín: Setembro está aí!


      O mês já vai a meio mas é sempre bom tê-la por perto. A Yuzín éuma agenda dos eventos culturais que se acontencem em São Miguel e em Santa Maria, destacando também figuras da cultura regional. Como não seria de esperar outra coisa, deu destaque à inauguração da exposição "Existe Luz na Sombra", no Arquipélago - Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande, dedicada à artista madeirense Lourdes Castro, bem como, lá para o fim do mês, à Bienal do Walk and Talk, este ano sob o tema de "Gestos de Abundância". 

Os Transportes....

       "A pesquisa foi realizada entre Maio e Setembro de 2024 e contou com 833 respostas válidas, abrangendo as Ilhas de São Miguel, Terceira e Faial.
  Em São Miguel, que representa 35,8% das respostas, as principais preocupações dos inquiridos em relação ao turismo prendem-se com a necessidade de melhorar a rede de transportes públicos, reduzindo a dependência do aluguer de automóveis, e de limitar o acesso de não residentes a determinadas zonas balneares, como a Ferraria. (...)
    Na Terceira, que representa 32,8% das respostas, os residentes destacam também como prioridades a melhoria da rede de transportes públicos, com mais rotas e horários, e a necessidade de supervisionar o desenvolvimento turístico da ilha(...)
     Já no Faial, que corresponde a 31,8% das respostas, as maiores  preocupações prendem-se com a melhoria da rede de transportes públicos e a supervisão do desenvolvimento turístico da ilha, a limitação do número de turistas na época alta  com a promoção da época baixa e com a formação de profissionais do sector (...)"

                             in Açoriano Oriental, 10 de Setembro de 2025

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

24 Hour Party People: Saudades de Manchester!

     Num lugar público que passei a frequentar, encontro o DVD de "24 Hour Party People", de Michael Winterbottom, editado em 2002. Aparentemente intacto, envolto num plástico, com um aviso na parede - "Pode levar, 0 euros". Ao pensar em rever o filme, penso na forma de convertê-lo em ficheiro sem ter que recorrer a Compact Disc, pois já não o possuo. Dou por mim a pensar na emoção registada aquando de ter visto o filme pela primeira vez e na sensação de ter, à distância, imaginado a festa que foi o aparecimento deste movimento musical de Manchester. "Madchester" caracterizou-se pela mistura de vários estilos musicais que ia do rock alternativo à dance music, com laivos de indie rock e psicodelia, tudo servia para celebrar esses anos loucos que durariam cerca de duas décadas. Tony Wilson, aqui representado por Steve Cogan, é o impulsionador deste foguete de largo espectro que revolucionaria a música pop e a edição (que saudades da Factory!!!), no fundo Wilson foi um visionário, um sinalizador ou caçador de de talentos que colocaria para sempre a cidade de Manchester no mapa da cena musical. O filme acabaria por retratar essa efervescência - vivida e sentida no Club Hacienda - mostrando o ambiente divertido e frenético dessa aventura. Passados tantos anos, ainda hoje há ecos dos Joy Division, New Order, Clash, Buzzcocks, Durutti Column ou mesmo dos Certain Ratio. Vamos já ouvi-los! 

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Andes por onde andares virás sempre morrer à quebrada 

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Misericórdia de Lídia Jorge

       Misericórdia retrata o diário do último ano de vida de uma mulher idosa num lar, de seu nome "Hotel Paraíso". Lídia Jorge escreve sobre esta mulher sem grande mobilidade física e os detalhes  das existências em redor. A escritora tece, assim, um testemunho sobre a velhice e a experiência humana de quem já só pode contemplar o mundo a partir de uma morada inventada, pois tal como diz a narradora: "Exílio. Não há mais nada que seja só meu, nem o meu corpo, nem o meu espírito."

O Jornal de Rui Frias

Fotografia de Mário Cruz, Lusa. 

   «Bob Woosward e Carl Bernstein impactaram os jornalismo como Pelé o futebol, os Beatles a música. É deles o gol de placa dos jornais, a mais famosa investigação jornalística da história. O Watergate tornou-os «mais populares do que Jesus Cristo» (tal como se sentia John Lennon no auge da Beatlemania) entre os aspirantes a jornalistas. E serviu para cristalizar a ideia de uma profissão capaz de fazer cair até o presidente da mais poderosa nação do mundo.»

in O Jornal, de Rui Frias, Retratos da Fundação, Fevereiro de 2025

No Jornal Público de hoje...

 

domingo, 31 de agosto de 2025

Burning Summer: África Minha!

     
     A pergunta impunha-se: como chegar a Porto Formoso? Tudo começa com um autocarro da CRP que faz a carreira diária que nos deixa mesmo à entrada da freguesia. A partir daí estamos entregues à natureza e à música, num cartaz que se mantém maioritariamente africano. 
Destaque-se no primeiro dia, dia 29, os concertos do agrupamento caboverdiano Mário Lúcio and The Pan African Band e dos Santrofi, oriundos de Acra, no Gana. O antigo ministro da cultura de Cabo Verde, sempre vestido de branco, provou que continua aí para as curvas. Mário Lúcio tem um crioulo bonito tal como a sua música é uma balança carregada de ondas, ora batem com agitação ora acalmam águas profundas. Os Santrofi trouxeram de forma competente ecos na nova cena musical da capital ganesa. No segundo dia, 30, assistimos ao concerto memorável de Dino Santiago & Os Tubarões, bem como de Bonga, que continua irrepreensível com o seu semba, nada falha, mesmo com a sua longeva idade. Por último, a cantora guineense Fattu Diakité que impressionou pela imponência da sua voz e uma presença magnética em palco. 
        Onze anos depois, o Burning Summer continua mais valioso que nunca, não só pela sua diversidade musical como também pelo enfoque especial que é dado à música de Cabo Verde, país onde brotam músicos e músicas em cada esquina do arquipélago.
       Uma referência, por fim, à utilização das casas de banho no interior do recinto dada a inutilidade da sua diferenciação entre os sexos, pois já não faz sentido a filas sem fim no que toca ao acesso feminino, ou já para não falar das senhas que ficam por consumir por falta de aviso do fecho do bar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Melancolia do Fim de Agosto

      Há um travo amargo quando Agosto termina, quando nos despedimos deste mês consagrado à lassitude e às cigarras. A rapidez com que este mês da canícula passa sobre nós é equivalente aos novos TGV. Por isso, quando atingimos os seus últimos dias avança sobre os corpos uma nostalgia que nos esmaga, tolhe o raciocínio, trava qualquer racionalidade. É, pois, uma despedida pesada, carregada de tristeza e sentimentos de culpa, sobretudo, por tudo o que ficou por fazer, as promessas por cumprir, os desejos por concretizar. Setembro fará depois o seu trabalho e, quando o Outono de calendário se enunciar, novos sinais de enfrentamento tornaremos claros, se assim o quisermos. 
       Desta feita, nada é mais desolador que o fim de Agosto, os seus despojos e sedimentos, o que ainda resta da voragem do tempo sobre a estação estival. Este começa sempre por afigurar-se prometedor - os seus dias longos e claros - até à contrariedade das manhãs de neblina e das noites carregadas de cacimba, nada se apresenta tão pesado e sombrio como os seus derradeiros dias. Nada nos resta senão fruir com sabedoria esta pequenina fracção deste Agosto por encerrar. Será isso a douta melancolia?

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Livre: Viagem à Albânia com Lea Ypi!

      Um livro pode aproximar-nos de um lugar, de viagens realizadas e de memórias intensas guardadas bem lá atrás do tempo e da existência. O país em questão é a Albânia, situado nos balcãs, no litoral do mar Adriático. Lea Ypi, a autora do livro, é uma professora de Teoria Política na London School of Economics, nascida em Tirana, em 1979. 
    "Livre" é um ensaio que retrata o período antes e pós comunista vividos pela autora e onde o passado familiar imprime uma marca profunda na sua visão do mundo (a autora dedica o livro à avó). E eis que, subitamente, somos transportados até à Albânia e é como se a escrita nos trouxesse de volta essa viagem, esses dias lá passados, uma existência partilhada.

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Da Gentrificação

       «Veja-se a origem da cidade, os povos que a formaram, dos fenícios aos gregos, mais tarde os romanos e todos os outros que vieram com a expansão marítima. Lisboa sempre teve árabes e judeus. Tem uma identidade que foi sendo desenhada por essa diversidade de modos de vida e culturas", diz, lamentando o que vê como tentativas de rasurar a identidade múltiplice, substituindo-a por uma ditada esttitamente pelos interesses imobiliários internacionais. "A gentrificação é que é a verdadeira ameaça a Lisboa, não os imigrantes", conclui o vocalista dos Pop Dell´Arte.»

João Peste, in "Gentrificação é que é a verdadeira ameaça a Lisboa, não os imigrantes", Público, 19 de Agosto de 2025. 

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Da Lucidez

         "E se aparece um tipo a berrar:"Mete-se tudo na cadeia" há uma quantidade de pessoas que vão atrás dele. Se aparece um tipo com um tambor e uma corneta e uma bandeira a desfilar pela rua fora, junta-se uma quantidade de pessoas atrás dele, e então elas vão até ao fim."

Zeferino Coelho, Expresso, 8 de Agosto, editor da Editorial Caminho. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Música para um Estio Quente

Uma Canção de Verão - Praia, Campo, Cidade e Montanha, 2025 - Montanha Mágica 
Alewa (Black or White)Alewa, 2020 - Santrofi 
Ka moun Kè - Beautiful Africa, 2013 - Rokia Traoré 
Madalena - Dor de Mar, 2012 -Tcheka 
Mi So - Migrants, 2023 - Mário Lúcio 
Ungdomen, röda kinder - Sex, 2024 - Anna Järvinen
Back to the Old House - Hatful of Hollow, 1984 - The Smiths 
Nothing´s Gonna Hurt You Baby - I. 2012 - Cigarrettes After Sex 
In a Matter of Speaking - Nouvelle Vague, 1998 - Nouvelle Vague 
Fogo Fera - 100% Carisma, 2020 - Vaiapraia  
Fiesta Triste - Dissidente, 2025 - Tó Trips & Fake Latinos 
Espanto - Leveza, 2023 - André Henriques
Fugitivo - Escritor de Canções, 1990 - Sérgio Godinho  
All Flowers in Time Bend Towards the Sun - 1996 - Jeff Buckley and Elizabeth Frazer
The Last Time I Saw the Old Man - Rainy Sunday Afternoon, 2025 - The Divine Comedy 
Smalltown - Songs from Drella, 1990 - Lou Reed, John Cale 
So Goodnight - So Goodnight, 2012 - Pop Dell´Arte 

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Do Jornalismo

         
Il Sorpasso de Dino Risi 
«Sembra una vespa (Parece uma vespa)» Rezam as crónicas da época que terá sido essa a exclamação de Enrico Piaggio, filho do fundador da marca, a dar nome a um dos mais icónicos modelos de motas da história, mas também um dos mais bem sucedidos casos de reconversão em termos de crise. Antes disso, a italiana Piaggio, fundada em Génova, em 1884, alimentava sobretudo a indústria aeronáutica, com a construção de aviões e componentes de aviação durante o período que abraçou as duas grandes guerras mundiais. Com o final da II Guerra, numa Itália com a economia e as estradas destruídas, Enrico redireccionou o foco da empresa, criando um meio de transporte simples, económico e elegante que logo ganharia fama mundial. 
        A Vespa é só um dos vários exemplos que podem ser encontrados em manuais sobre inovação em tempos de crise. Também ao jornalismo a necessidade de reinvenção tem levado à experimentação de novas fórmulas, novos projectos, novos modelos de negócio. Por entre o negro horizonte instalado, vão surgindo pequenos sopros de esperança, seja à boleia de projectos independentes, de plataformas colaborativas, de novos formatos (podcast, jornalismo de dados, factchecking....) ou de diferentes  formas de financiamento que sustentem a sobrevivência dos media.  

Rui Frias, in O Jornal, Retratos da Fundação, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Fevereiro de 2025.