Eu
era novo, demasiado novo, quando vim aos Açores pela primeira vez. Foi um pouco
depois dos célebres protestos estudantis na República Popular da China e um mês
antes da queda do muro de Berlim. Passaram-se, portanto, vinte anos, pude confirmá-lo
agora com as fotografias guardadas no silêncio da gaveta. Foi amor à primeira
vista. À semelhança dos amores duradouros, há dias com maior paixão e
intensidade, dias claros e luminosos, outros nem por isso. Quando aqui estive,
em 1989, ainda não tinha lido o livro de Raul Brandão “As Ilhas Desconhecidas”,
nem o arquipélago açoriano era considerado o segundo lugar dos melhores
destinos do mundo no turismo sustentável (segundo a revista “National
Geographic Traveler”). Porque nasci à beira-mar, fiquei com uma memória viva
desse primeiro encontro, daí a nunca mais ter esquecido foi um passo de gigante
ou o tamanho da montanha do Pico.
Há
duas décadas fazer uma viagem a quatro ilhas dos Açores: Faial, Pico, Terceira
e São Miguel, foi um profundo acaso na vida de um adolescente. Tudo aconteceu após
ter escrito um artigo para a Antena 1, o programa “Os Jovens Encontram a
Europa”, sobre um tema que gostaria de ver discutido no Parlamento Europeu: o
desemprego. Três meses depois, tive direito a um prémio. O prémio foi uma
viagem/visita com tudo pago ao arquipélago dos Açores durante oito dias, com
estadia incluída. Era uma comitiva de estudantes muito novos: portugueses,
espanhóis, italianos e alemães para além dos organizadores, todos eles ligados
às emissoras radiofónicas dos países organizadores do respectivo concurso. Com
a bagagem retida em Lisboa, a primeira ilha a visitar foi o Faial com o seu
vulcão dos Capelinhos, o Cabeço Gordo, a Caldeira e a passagem natural pelo Peter Café Sport. Tudo isto superou a
possível irritação com os haveres, tendo dado origem a uma grande aventura até
ao aeroporto em carrinha de caixa aberta, um dia depois, dada as constantes
alterações climatéricas que se faziam sentir e as oscilações naturais do
percurso, pois nem tudo estava naquela altura alcatroado.
Recordo-me,
muito para lá do postal turístico, da presença esmagadora do verde enquanto
reflexo da força e poder dos elementos naturais: a abundância da água que caía,
a irradiação da luz e as suas variações cromáticas e, claro, as nuvens em
constante mutação. E, evidentemente, a visão do Pico que também naquele momento
nos enchia a vida…para além dos licores, que lá fomos beber dois dias depois. Os
Açores assemelhavam-se, portanto, à “policromia orgiástica”, que mais tarde viria
a descobrir no livro de Brandão. Os Açores eram assim a infância renovada, a
possibilidade de reencontrar uma natureza ainda intocável e virgem que, para
desencanto de muitos continentais, foi desaparecendo nas terras do litoral e,
quem sabe, no interior. E, embora hoje se sinta um sentimento de
“continentalização”, é o progresso dizem-nos, a paisagem é perene e imutável,
continuando por isso sempre bela e de fácil contemplação.
Os
Açores, para qualquer ser melancólico em crescimento, prolongavam e prolongam o
espelho. Pode-se afirmar que, passados tantos anos, os Açores continuam a ser
lugares imaculados de silêncio e de natureza rica na sua expressão mais vital e
fulgurante, os tais “montes de fogo, vento e solidão”, descritos pelos
primeiros navegantes. E, talvez por isso, há quem goste de contemplar e se
sinta bem por aqui.
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