sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Açores, seis anos depois...

           Eu era novo, demasiado novo, quando vim aos Açores pela primeira vez. Foi um pouco depois dos célebres protestos estudantis na República Popular da China e um mês antes da queda do muro de Berlim. Passaram-se, portanto, vinte anos, pude confirmá-lo agora com as fotografias guardadas no silêncio da gaveta. Foi amor à primeira vista. À semelhança dos amores duradouros, há dias com maior paixão e intensidade, dias claros e luminosos, outros nem por isso. Quando aqui estive, em 1989, ainda não tinha lido o livro de Raul Brandão “As Ilhas Desconhecidas”, nem o arquipélago açoriano era considerado o segundo lugar dos melhores destinos do mundo no turismo sustentável (segundo a revista “National Geographic Traveler”). Porque nasci à beira-mar, fiquei com uma memória viva desse primeiro encontro, daí a nunca mais ter esquecido foi um passo de gigante ou o tamanho da montanha do Pico.
           Há duas décadas fazer uma viagem a quatro ilhas dos Açores: Faial, Pico, Terceira e São Miguel, foi um profundo acaso na vida de um adolescente. Tudo aconteceu após ter escrito um artigo para a Antena 1, o programa “Os Jovens Encontram a Europa”, sobre um tema que gostaria de ver discutido no Parlamento Europeu: o desemprego. Três meses depois, tive direito a um prémio. O prémio foi uma viagem/visita com tudo pago ao arquipélago dos Açores durante oito dias, com estadia incluída. Era uma comitiva de estudantes muito novos: portugueses, espanhóis, italianos e alemães para além dos organizadores, todos eles ligados às emissoras radiofónicas dos países organizadores do respectivo concurso. Com a bagagem retida em Lisboa, a primeira ilha a visitar foi o Faial com o seu vulcão dos Capelinhos, o Cabeço Gordo, a Caldeira e a passagem natural pelo Peter Café Sport. Tudo isto superou a possível irritação com os haveres, tendo dado origem a uma grande aventura até ao aeroporto em carrinha de caixa aberta, um dia depois, dada as constantes alterações climatéricas que se faziam sentir e as oscilações naturais do percurso, pois nem tudo estava naquela altura alcatroado.
       Recordo-me, muito para lá do postal turístico, da presença esmagadora do verde enquanto reflexo da força e poder dos elementos naturais: a abundância da água que caía, a irradiação da luz e as suas variações cromáticas e, claro, as nuvens em constante mutação. E, evidentemente, a visão do Pico que também naquele momento nos enchia a vida…para além dos licores, que lá fomos beber dois dias depois. Os Açores assemelhavam-se, portanto, à “policromia orgiástica”, que mais tarde viria a descobrir no livro de Brandão. Os Açores eram assim a infância renovada, a possibilidade de reencontrar uma natureza ainda intocável e virgem que, para desencanto de muitos continentais, foi desaparecendo nas terras do litoral e, quem sabe, no interior. E, embora hoje se sinta um sentimento de “continentalização”, é o progresso dizem-nos, a paisagem é perene e imutável, continuando por isso sempre bela e de fácil contemplação.
            Os Açores, para qualquer ser melancólico em crescimento, prolongavam e prolongam o espelho. Pode-se afirmar que, passados tantos anos, os Açores continuam a ser lugares imaculados de silêncio e de natureza rica na sua expressão mais vital e fulgurante, os tais “montes de fogo, vento e solidão”, descritos pelos primeiros navegantes. E, talvez por isso, há quem goste de contemplar e se sinta bem por aqui.

in "Re(faial)izar", Boletim Cultural Fazendo (https://issuu.com/fazendofazendo), Janeiro de 2010

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