quarta-feira, 30 de abril de 2025

Do Mal Estar

    “A obra “O Mal-Estar da Civilização” termina com a seguinte ideia:«As pessoas chegaram a um ponto de domínio tal sobre as forças da natureza que, recorrendo à sua ajuda, não terão dificuldade em se exterminarem mutuamente, até ao último ser humano. O Homem tem consciência disso, o que explica uma boa parte da sua inquietação atual, da sua infelicidade, do ambiente de medo.”

Hans - Martin Lohmann, in Sigmund Freud, Coleção “ A Minha Vida Deu um Livro”, 1998.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

domingo, 27 de abril de 2025

Haikai de Masaoka Shiki

Todos os ventos
são frescos 
para os olhos que vêem.

Saúde Mental

           "Pode haver uma grande crise de saúde mental nos próximos anos, depois deste confinamento. Tal como acontece a seguir a guerras. Acho que o próximo passo, talvez até ao próximo século, vai ser sobre formas de alcançar bem-estar. Tenho uma afiliação com o Centro para a Música no Cérebro, em Orus, na Dinamarca. Colaboro com psicólogos, músicos, que pensam em terapias alternativas. Coisas como a música, a leitura, a poesia podem ajudar a aliviar este stresse que as pessoas estão a viver, sem ser necessariamente com recurso a medicamentos e formas artificiais." 

Joana Cabral, in "Os Filhos da Madrugada", Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2021. 

Verso de Caetano Veloso

 É o que pode lançar mundos no mundo. 

Primavera Geradora de Temperaturas Aleatórias

       Os dias primaveris estão maiores mas ainda pouco dados a mergulhos no mar. As flores dão sinais do seu despertar após tantos dias de intensidade líquida. O verde começa a pintar a paisagem e o nosso olhar serena perante o seu esplendor. Os filmes mais pertinentes e interessantes, na televisão pública, passaram sempre a altas horas da noite e é de questionar que público se pretende alcançar. Daí que fomos assistindo, madrugada adentro, a "Cerrar los Ojos" de Vitor Erice ou a "Licorice Pizza" de Paul Thomas Anderson. A horas mais convenientes, assistimos, no Cineclube Octopus, a "No Other Land", de Basel Adra, Hamdam Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor. E, que falta nos faz, em todo o lado e em qualquer lugar público, cinema na tela grande, acompanhados por outros tantos dispostos ao convívio, à conversa e à partilha da paixão pela sétima arte. 
     Comeram-se, entretanto,  as primeiras sardinhas do ano, longe ainda de serem gordurosas com o óleo a cair no pão, mas para lá caminham. Abril irá findar e é o mês das flores que aguardamos com alegria. Que se abram as portas para Maio entrar!

sábado, 26 de abril de 2025

Jan Palach de Urbano Bettencourt

 para Onésimo Teotónio de Almeida
Nunca soube a escala 
que mede os terramotos íntimos 
de quem vê devastado o lar dos seus, esventrada a cama
onde pais e avós inventaram a festa gloriosa 
dos sentidos
 
Não posso, por isso, medir-te a raiva
em Janeiro  de sessenta e nove, quando o fogo 
te consumia o corpo na Praça Venceslau 
e nos teus olhos já baços passava ainda 
a névoa de Praga ocupada pelos tanques do império 

em suspeitares quão incómodos os teus ossos
se tornariam,
removidos do espaço público
e forçados à clandestinidade,
porque há mortos cujas vidas assombram a noite 
dos abutres 
muito para lá do seu termo.

Lembrei-me de ti, Jan Palach, tantos anos depois
dos teus e meus vinte anos, tão longe dessa Primavera 
de Praga 
agora que nesta Primavera de chumbo 
o fóssil moscovita soltou os ventos e as bestas 
do Kremlin  sobre os prados da Ucrânia,
enquanto repetia o brado
de um velho avô peninsular: «Viva la muerte!»

in Antes que o Mar se Retire, Companhia das Ilhas, 2023. 

Insondável Claridade de Paulo Ramalho

Em memória da minha avó Guida 
Vejo-os demorarem-se no último cais. 
Uma insondável claridade 
repousa entre as mãos dos que partem.

Morrer é uma corda tensa de silêncios,
um hálito frio no lábio dos amantes.

Vejo-os embarcarem ao anoitecer
Um súbito vento lhes seca as lágrimas,
A transparência dos vultos breves no convés,
o pêndulo do inexorável, os lenços do adeus,
a espada de fogo do último beijo.

Falam mas já as palavras apodrecem entre os lábios.
Aguardam na luz derradeira a primeira estrela
e depois partem para a  ilha do esquecimento.
Gaivotas intensas sobrevoam o cais deserto.

in A Mar Arte Revista, Inverno/Primavera, 1998. 

Perfume de João Habitualmente













Nunca medi as mulheres 
pelos odores com que nos iludem

são postiços 
como silicone de seios 
conspiram no mesmo palco das jóais de imitação 
e prestam-se à farsa 
de camuflar outros vapores
 
Mas o teu caso é diferente 
                                      
Sigo-te a volúpia das fragâncias   
pesquiso-te o andar de garça                                                             
investigo o teu perfume            
até às últimas consequências 

in poemas em peças, Quase Dito, 2014.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

À Laia de Cortesia de Naná da Ribeira

À mesa de um café nocturno 
alguém evoca o costume frequente
da educação à moda antiga 
o imperfeito de cortesia:
- eu queria 
mas agora já  não quer 
indagam com ironia 
homem ou mulher 
preferimos não responder 

51

      Neste início de Primavera, à beira-mar, está uma roda de pescadores que discute as escolas do antigamente e das carteiras das salas de aula ocupadas apenas por rapazes. Um deles aponta para a outra parte da escola onde estavam também as raparigas. Hoje, passados tantos anos, têm dúvidas sobre a existência de escolas mistas. Há, inclusive, um  que afiança que irá questionar uma suas das suas netas para saber se rapazes e raparigas aprendem no mesmpo espaço. Ler, estar informado, participar na educação e na vida cívica pode e deverá ser um desígnio do que falta cumprir do 25 de Abril de 1974. 

quinta-feira, 24 de abril de 2025

No Other Land no Cineclube Octopus

No Other Land, 2024
de Basel Hadra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham
Rachel Szor. 

Sessão às 21h45

Cineclube Octopus
 

Gaivota I de Ruy Belo

A tão difícil paz dificilmente alcançada
a máxima inquietação ao fim e ao cabo queda 
a serenidade em duas curtas asas resumidas
em corpo tão pequeno a vida toda
a voz da ambição afinal muda
perfeitíssima obra onde tudo se equilibra 
- que assim se cubra quanto tanto se celebra 
e uma chave só tal mundo abra a ninguém lembra

in "Todos os Poemas", Assírio&Alvim, 2009.

Quanto Morre um Homem

Quando eu um dia decisivamente voltar a face 
daquelas coisas que só de perfil contemplei 
quem procurará nelas as linhas do teu rosto?
Quem dará o teu nome a todas as ruas
que encontrar no coração da cidade? 
Quem te porá como fruto nas árvores  ou como paisagem
no brilho dos olhos lavados nas quatro corações?
Quando toda a alegria for clandestina 
alguém te dobrará em cada esquina? 

Ruy Belo, in Todos os Poemas, Assírio&Alvim, 2009.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Uma Fotografia do 25 de Abril

Primeiro as árvores cobri-
ram-se de folhas  depois

de pássaros e depois de 
homens.

Jorge Sousa Braga, in Ferida Aberta, Assírio&Alvim, Fevereiro de 2005

domingo, 20 de abril de 2025

Verso de Homem em Catarse

 Um direito não é um favor

Da Ilusão

   "Quanto mais ilusões tivermos, quanto mais iludirmos a vida com ilusões, melhor é. Porque se formos a pensar na realidade, o nosso fim é morrer. Se estamos entretidos, estamos esquecidos a viver."

Joaquim Mendes 

sábado, 19 de abril de 2025

Da Maturidade

      "A vida, a maturidade, consiste em saber distinguir a forma como as pessoas manifestam o seu amor. Nem toda a gente o faz da mesma forma, queria eu dizer. É um longo reportório. Compreender esse reportório é viver com os outros."

Manuel Vilas in "E, de Repente, a Alegria", Alfaguara, 2020. 

E, de Repente, a Alegria de Manuel Vilas

       "Porque mais tarde, na minha vida, percebi que comprar coisas me cria medo. E creio que é um medo que provém dos meus antepassados, porque os meus avoengos nunca puderam comprar nada. Daí o terror em relação a comprar coisas, pareço que não as mereço, é um sentimento muito difícil de exprimir, é visualmente um sentimento no qual Arnold Schoneberg se deleita a potenciar e retorce." 

"E, de repente, a alegria!" de Manuel Vilas, Alfaguara, 2020.  

sexta-feira, 18 de abril de 2025

A Nave dos Loucos

         "Para o caos que se vive - da guerra às tarifas, das alterações climáticas às aptidões do IA, da violência entre os jovens ao excesso de informação, da liberdade de expressão à defesa da censura, etc - não são poucos os que recorrem a conceitos antigos de Psicologia (até Pacheco Pereira voltou Rousseau e a Hobbes) ou da política (como fascismo e populismo) para tentar perceber o que se passa. Pela parte que me toca, e limitando-me a voltar às àrvores, acho que estamos mesmo à nora como na história contada em "Platão e um Otorrinco Entram num Bar"...(Thomas Cathcart e Daniel Klein, Dom Quixote, 2008). É Outono e os índios perguntam ao novo chefe se o Inverno vai ser frio. O novo chefe nunca aprendeu segredos antigos, mas não querendo arriscar, manda a tribo apanhar lenha e preparar-se para um Inverno frio. Poucos dias depois, telefonou para o Instituto de Meteorologia. O Meteorologista acha que o Inverno vai ser frio. Então, o chefe aconselha a tribo a apanhar mais lenha. Algumas semanas depois, liga novamente para o Serviço de Meteorologia. Ainda acham que vai ser um Inverno frio? Parece que vai ser um Inverno muito frio! E o chefe aconselha a tribo a apanhar mais lenha. Semanas depois, liga de novo. Continuam a prever um Inverno muito frio? Estamos a prever um dos Invernos mais frios de sempre! Como podem ter tanta certeza? Porque os índios andam a apanhar lenha como loucos!" 

Ana Cristina Leonardo, Meditação na Pastelaria, Público, 11 de Abril. 

Provérbio

 Boa vida, rugas tira. 

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Quem Procura Sempre Encontra

     Após leitura, no verão passado, de "Em Tudo Havia Beleza", Alfaguara, editado em 2019, quis muito ler o que o escritor Manuel Vilas tinha escrito a seguir. Desafio que à partida parecia simples, irrisório, dado o entusiasmo do livro anterior, e que, por isso, fui procurar ler o livro "E, de repente, a alegria", Alfaguara, 2020, começando aí a saga da sua acquisição e posterior leitura. Coisa complicada como se veio a provar. Em todas as livrarias em que fui entrando obtive um sorriso e o lamento pela inexistência deste objecto literário. Uns foram dizendo que o livro estaria esgotado, outros que demoraria a ser reposto, tal como poderia efectuar o pedido e ficar a aguardar pelo seu aparecimento na caixa do correio. Nada feito. O tempo foi passando e, animado pela vontade de encontrá-lo numa estatante de uma biblioteca, aguardei pacientemente por um acaso ou surpresa. Recentemente, no regresso à terra de nascimento e casa paternadecidi entrar numa livraria, insistir de novo e tentar a minha sorte. E, eis que de repente, através de uma livreira atenta e informada, adquiri o livro que me devolveu a alegria do reencontro com este autor. 

A Piedade do Tempo

    Em que escuro recanto do tempo que morreu
vivem ainda 
a arder, aquelas coxas? 
Dão luz ainda 
a estes olhos tão velhos e enganados,
que voltam agora a ser o milagre que foram:
desejo de uma carne, e a alegria 
do que não se nega. 
    
    A vida é o naufrágio de uma obstinada imagem
que já nunca saberemos se existiu,
pois só pertence a um lugar extinto.  

Francisco Brines, in A Última Costa, Assírio&Alvim, 1997.

Cipreste

havia um cipreste 

vi que caminhaste 
e te despiste 

(a roupa na sombra da árvore
dependurada do nada)

o leito agreste 
e mergulhaste.

nadaste 
depois saíste. 

in Poemas em Peças, Coleção Quase Dito, Fevereiro, 2014. 

Sem Sair do Lugar

 (...) Sabemos que a intensidade da luz concentra hormonas que vão alterar os níveis da água nas células do tecido vegetal e, portanto, levam as plantas a inclinarem-se em direção à fonte de luz. As plantas podem parecer levar vidas não tão complexas como a dos animais, especiamente porque não se podem mover, no entanto, elas encontram formas, também complexas, para o seu estilo de vida, do que é uma vida imóvel. E arranjaram formas de como se reproduzirem, de como competirem umas com as outras por recursos, de como se adaptarem ao seu ambiente, de como evitarem e defenderem-se daqueles que as consomem, como os herbívoros, sem mobilidade, sem sair do seu lugar. E embora não possam mover-se, as plantas podem alterar a sua estrutura em resposta às mudanças do ambiente. E esta alteração de parte ou de todo organismo tem um nome, que se chama: tropismo. E o facto de algumas plantas como o girassol procurar a luz e mover-se com a luz, significa que tem tropismo.

Luísa Ferreira Nunes, Lições Naturais, Podcast do Público, Março 2025. 

terça-feira, 15 de abril de 2025

Tempo Cura de Naná da Ribeira

Terminada a língua e fechamento

Já podemos ir ao  teu jardim, Celeste

Visitar-te-ei a cada Primavera, sem máscara

Com folhas e flores cravadas no corpo  

O dia a dia de instâncias e de perdas                                  

O teu eco e afago que era quente e sentido

Medos e memórias que ainda guardo comigo

Dos livros e filmes que te substituíram

O Azul de Francisco Brines

          Busquei o azul, perdi a juventude. 
Os corpos, como ondas, rompiam.-se 
em areias desertas. Houve amor
no recanto florido de um jardim 
fechado. E quis achar palavras 
que alguém pudesse amar, e elas valeram-me.
Estou a chegar ao fim. Cega meus olhos 
um desolado azul iluminado.


in A Última Costa, Assírio&Alvim, Outubro de 1997. 

A Minha Praia de João Habitualmente

Nada ficará
Da pedra sobre pedra 
Com que fomos compondo nossos ninhos

Seremos ruína 
Arqueologia dum tempo sulfúrico 
Betão desgastado ferro torcido

Nada falará 
Só o cosmos em festa 
Libertado da sua verruga

Será assim, a nossa ausência 
Um silêncio para sempre
Nada que perturbe a perfeição  dos ventos

Mas, por agora 
Resta ainda a minha praia favorita 
Com encontros à ilharga 
E um mar nítido como nos postais antigos 


in Poemas em Peças, Colecção Quase Dito, Fevereiro, 2014

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Mar Cavado a Grosso

Timidamente espreita o sol 
augura uma aberta, um esclarecimento
uma nota suave, um deslaçar de nuvens
a brisa amena da tarde 

Ainda o mar cavado a grosso 
lenta aparição celeste no horizonte 
na química combustão da paisagem 

Naná da Ribeira in "O Fim do Mundo é já Amanhã", Farol Edições, 2025.

domingo, 6 de abril de 2025

Ansiosamente Pueris de Naná da Ribeira

Não quisemos mais continuar
já que não somos  mais os mesmos
Temos nuvens zangadas a atravessar-nos ou
que podem enfurecer a qualquer instante
 
Era uma falsa promessa esta
que nós acreditamos estar juntos e
em vantagem
Julgamos ter construído um império
um sentimento inútil que agora passou a ferida
 
Ardemos em lume brando
escutamos a discordância
não mais voltaremos a ter a mesma sede
em paz ficaremos
descobrindo lentamente como fomos
ansiosamente pueris 

sábado, 5 de abril de 2025

Um Homem Cada Vez Mais Velho

 (postal para a Ucrânia) 

I

pesando-lhe o ar que o transporta 
um homem chora cada vez mais velho
em forma de pá que escava sozinha 
por causa de alguma coisa 

num silêncio pegado ao leme 
lê Kozbar e outros poemas 
e não vai mal de todo 
a fumar como se engolisse o cigarro
e as próprias mãos 
na companhia da matéria
 
por enquanto às baforadas 
assiste-se à história que se repete
como um fole de acordeão que começa a tocar
precisamente aqui ao lado 

Rui Machado, in Um Pouco da Alma, Núcleo Cultural da Horta,  2022

Do Lugar de Urbano Bettencourt

 E dizia o grego:
«Não regresses ao lugar de onde te foste
-só encontrarás o que não procuras.»

in Antes que  o Mar se Retire, Companhia das Ilhas, 2023.

Diogo Bouça no Museu Carlos Machado

Recital de Diogo Bouça
Núcleo de Arte Sacra 
Dia 6 de Outubro, 17h00
 

Ontem, escrito numa parede da cidade

 À noite todos os gatos são pargos 

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Coral de Sophia de Mello Breyner

Ia e vinha 
E a cada coisa perguntava 
Que nome tinha.
in Coral - Obra Poética, Caminho, Novembro de 2003.