sábado, 26 de abril de 2025

Insondável Claridade de Paulo Ramalho

Em memória da minha avó Guida 
Vejo-os demorarem-se no último cais. 
Uma insondável claridade 
repousa entre as mãos dos que partem.

Morrer é uma corda tensa de silêncios,
um hálito frio no lábio dos amantes.

Vejo-os embarcarem ao anoitecer
Um súbito vento lhes seca as lágrimas,
A transparência dos vultos breves no convés,
o pêndulo do inexorável, os lenços do adeus,
a espada de fogo do último beijo.

Falam mas já as palavras apodrecem entre os lábios.
Aguardam na luz derradeira a primeira estrela
e depois partem para a  ilha do esquecimento.
Gaivotas intensas sobrevoam o cais deserto.

in A Mar Arte Revista, Inverno/Primavera, 1998. 

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