domingo, 29 de setembro de 2024

Encontros Sonoros do Atlântico: "Flores" no Arquipélago!

Francisco de Lacerda em viagem
       Terminou recentemente, com espectáculos por todo o arquipélago, os “Encontros Sonoros Atlânticos”, um programa de concertos alicerçados/inspirados na obra do compositor e maestro, natural da Ilha de São Jorge, Francisco de Lacerda. 
      Faz, por isso, agora uma semana que assistimos  ao concerto do guitarrista Nuno Costa e do pianista Óscar Graça na blackbox do Arquipélago, Centro de Artes Contemporâneas. Ambos os músicos tiveram a incumbência de fazer a banda sonora para o filme Flores de Jorge Jácome. Foi, sem dúvida, um belo fim de tarde inspirado com composições bem respiradas e soltas, até dissonantes, que tinham como compromisso embelezar a propagação da espécie das hidrângeas pelo território. Na verdade, são devaneios sonoros aprimorados e convincentes, ainda que arriscados, para um filme que vai conquistando cada vez mais adeptos, sobretudo, pelo seu desenrolar inusitado e final feliz com que nos devolve a espontaneidade e beleza natural do verde de que estamos rodeados.

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Isto são favas cantadas

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Equinócio de Naná da Ribeira

Acordei sobressaltado pela madrugada adentro 
cogitei passeios em praias vazias, imaculadas, quase desertas 
o seu acesso pela escadaria, madeiros firmes, degraus seguros,
avistei negras areias em espumas incandescentes,
danças de sombras festivas em corpos pré-outonais 
ainda que indecisos. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Pré-estória de Urbano Bettencourt

     "Em Setembro dois corpos cobertos de búzios e de escamas vieram dar à costa, provavelemente na sequência de um dos muitos ciclones que por essa altura ocorriam a noroeste do arquipélago: direi acaso a surpresa o fascínio as escapadelas furtivas dos adolescentes que vinham de todos os cantos desvendar a anatomia marinha das mulheres trazidas pelo mar? E o velho solitário que habitava de Verão e de Inverno a casa da vinha sobre a costa, e perscutava constantemente o horizonte e o andamennto das nuvens, vaticinando o futuro pelo que sabia do passado, afirmou então que teríamos um ano de fome."
in Antes que o Mar se Retire, Companhia das Ilhas, 2023.  

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

O Mediterrâneo, o Mediterrâneo...

     "A morte do Verão era horrível. A minha mãe encarava o fim do Verão como um facto trágico, sacrílego. Quem se atrevia a matar o Verão? Odiava a chegada do mau tempo. Ela acreditava no sol. Era herética, viveu segundo os ritos do Sol. Tinha uma obssessão com a luz e apanhar sol. O Sol e estar viva foram a mesma coisa para ela. Adorava o Verão. Adorava que anoitecesse tarde, muito tarde. Só aceitava como algo digno de ser tido em conta a presença do Sol; ela não tinha consciência, mas no seu amor pelo sol e pelo Verão havia uma herança milenar, uma herança da cultura mediterrânica. Não conheci nenhum ser tão mediterrânico como a minha mãe. De facto, ela adorava esse mar, e não gostava nada nem do Cantábrico nem do Atlântico. Eu soube que o Mediterrâneo era um mar especial pelo amor que a minha mãe professava por ele. 
          Estar perto do Mediterrâneo foi o seu paraíso.
         O Mediterrâneo foi a sua única pátria."

Manuel Villas, in "Em Tudo Havia Beleza, Ordesa", Alfaguara, 2018

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Um Poema de Cesar Pavese

Tens rosto de pedra esculpida,
sangue de terra dura,
vieste do mar.
A tudo acolhes e auscultas
e empurras para longe,
como o mar. No coração
tens silêncio, tens palavras
submersas. És sombria.
Para ti a madrugada é silêncio.

E és como as vozes
da terra - a pancada
do balde no poço,
a canção do fogo,
a queda de uma maçã,
as palavras resignadas e amargas
na soleira das portas,
o grito da criança - as coisas
que ficam para sempre.
És sombria. Imutável.

És o subterrâneo fechado,
de chão de terra batida,
onde o menino descalço,
uma vez entrou
e de que se recorda sempre.
És o quarto escuro
que se recorda sempre,
como aquele pátio antigo
em que a manhã despontava.

in "Virá a morte e terá os teus olhos", 5 de Novembro de 1945

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Do Êxito

Ter alguém à nossa espera algures é o único sentido da vida, e o único êxito. 
                
Manuel Villas, in E Em Tudo Havia Beleza, Ordesa, Alfaguara, 2018.