terça-feira, 28 de outubro de 2025

Fim de Semana com o Fuso Insular

         O mar está revolto neste final de Outubro, após queda de tantas águas e enxurradas com prenúncio de tempestades no Inverno que se avizinha. 
         O Fuso Insular existe há sete anos mas esta é a sexta edição do Laboratório da Imagem, atividade que decorre durante o verão e que tem, no final de Outubro, o seu apogeu com a apresentação dos trabalhos visuais dos seus participantes. Com propostas pessoais, autobiográficas ou relacionadas com o arquipélago em questão, as obras mostram-nos o empenho e a criatividade de quem se submete ao olhar e escrutínio de quem assiste. A realizadora convidada deste ano foi Cláudia Varejão, que nos deu a conhecer os seus dois documentários mais recentes - "Haverá Eleições" e "Kora". O primeiro é uma deliciosa montagem de imagens de arquivo e depoimentos sobre as primeiras eleições livres em Portugal (92% de participação), com especial pendor no feminino. O segundo é uma visão testemunhal de mulheres estrangeiras que habitam no nosso país - as suas alegrias, dores e sentimentos de quem deixou a sua vida anterior para trás e que procura, nestas paragens, uma nova vida com paz e esperança. Esta última é, sem dúvida, uma peça documental de fina beleza e com a música delicadíssima de Joana Gama. 

"De Perto Ninguém é Normal" no Ribeiragrandense

  De Perto Ninguém é Normal, uma comédia "obssessiva" de Laurent Baffie com encenação de Rafael Medrado, teve lugar no último fim de semana no Teatro Ribeiragrandense. A peça, situada num consultório de um psicanalista, dá-nos a ver um grupo de pacientes que são portadores de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo). Numa conjuntura social algo fascinada pelo tema da Saúde Mental, mas pouco eficaz nas suas soluções, a peça encontra facilmente eco, riso e público assegurado. O palco é, assim, espelho das nossas sociedades contemporâneas que assentam muitos dos seus comportamentos sociais na demonstração da eficácia, produtividade ou perfeição, no entanto, escondem nas suas estranhas um número cada vez maior de indivíduos fragilizados, imperfeitos e reticentes à noção de falha ou fracasso. Entre a dor interior e a medicação farmacológica  são muitos os que nos vão mostrando que "De Perto Ninguém é Normal". Foi nisso que apostou esta encenação plena de boa disposição e criatividade de Rafael Medrado bem como o seu elenco, algo "transtornado", mas muito seguro e inspirado - André Melo, José Jorge, Katarina Rodrigues, Marta Aguiar, Nuno Pequeno Rei e Pilar Silvestre. Em jeito de conclusão e, tal como diz o poema, "e...se fossemos rir de tudo?". 

sábado, 25 de outubro de 2025

As Ondas

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim

Sophia de Mello Breyner Andresen 

terça-feira, 21 de outubro de 2025

17

A notícia irrompia como uma fenda numa estrutura. Estava estirado num cadeirão, à frente do computador e o nome da rua era jogo da bola. A urgência vinha do outro lado da linha, a diligência urgente pela aceitação do horário, ao mesmo tempo implicava a despedida rápida de pessoas e o desfazer de coisas para a prontidão da viagem. Lembro-me como se fosse hoje: a humidade altíssima, a escassez de ar, a diminuição de energia, a lassitude dos dias ainda estivais, o confronto com o mormaço, que transformava tudo em suor, em cansaço. A interrogação inicial girava em torno do tempo, a adaptação à vida insular, passando da estalagem para o hotel como se não houvesse mais nenhum lugar disponível. À memória salta, pois, a visão idílica da baía de Porto Pim, com mergulho e paragens certas no café Vinte. Eram os primeiros passos, as impressões essenciais do colosso do Pico, uma respiração desconhecida, original, fundamental. Não era a primeira vez, mas foi como se fosse. 

Ontem, escrto numa parede da cidade

 Mais vale vivo do que mal acompanhado

Das Flores

Ainda não se olhou o suficiente para as flores, para um caule de erva,
ainda não se deu a atenção devida à natureza.
Uma flor é umu universo de beleza.
Ver, ver...como se fosse a primeira vez.
A cor, fantástica.

Lourdes Castro, in "Existe Luz na Sombra", CAC, 2025

Sobre Goiabas e Migrações

     “Raramente pensamos nisso, mas os Açores são, porventura, o mais perfeito exemplo do resultado dos fluxos migratórios. Nada é autóctone. Tudo veio de algum lado. É um primeiro ponto.
         Antes de haver Atlântico nem as ilhas existiam. Foi preciso e tem sido preciso haver vulcões e erupções para aparecerem terras à superfície do oceano. Até a própria lava migra das profundezas, se quisermos ver isso em termos poéticos, misturando-se material magmático de anteriores erupções e criando, alterando, acrescentando as ilhas e os seus territórios.
        Quanto às plantas, mesmo as hoje descritas como endémicas, resultaram essencialmente de sementes deixadas por aves de arribação, e tudo se foi instalando, com tempo e vagar, acabando por formar aquele ambiente que Gaspar Fructuoso refere como existente à data do povoamento, nas suas “Saudades da Terra”.
        Chegados os humanos e verificando que frutas e cereais não existiam, coisa essencial à sua subsistência, toca de plantar essas e outras novidades onde melhor lhes parecia. Primeiro foram coisas do velho mundo, depois começaram a ser as que as viagens marítimas iam tornando conhecidas, sempre de cada vez mais longe.”

Francisco Maduro Dias, in “Sobre goiabas e migrações", Açoriano Oriental, 20 de Outubro de 2025.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Uma Capa

Ilustração de André Carrilho
Capa do Público 
Domingo, 5 de Outubro de 2025
     

Da Dissimulação

      Dissimular o que se é, simular o que não se é...Isso implica inegavelmente não dizer - nunca o que se pensa e o que se crê; e também : dizer - sempre - o contrário. 
Alexandre Koyré, in Reflexões sobre a Mentira, frenesí, 1996.