Soneto 10
Recusa, por vergonha, que não sabes amar,
Tu, que para ti mesmo és tão pouco prudente!
Concede, se puderes, que és por muitos amado,
Porém, que a ninguém amas é por todos sabido.
Pois tu de um ódio tal te encontras possuído
Que mesmo contra ti não ousas conspirar,
E arriscas arruinar esse tecto tão belo,
E havias em desvelo dele melhor cuidar.
Ah, muda o teu pensar, para que eu mude o meu!
Deve o ódio ter lar mais belo que o amor?
Sê como é o teu estar, gracioso e encantador,
Ou ao menos a ti prova o teu bom sentir.
Torna-te em outro eu,
fá-lo por meu amor,
Possa o belo viver quer
nos teus, quer em ti.
Soneto 18
Poderei igualar-te a um dia de Verão?
És mais ameno e brando, e muito mais gentil.
Vacila ao vento rude o rebento em botão
E a vida do Verão, demasiado breve.
Queimando muita vez, o olho do céu brilha,
Muita vez sua face dourada se embacia;
E sempre o que é mais belo da beleza declina
Ao mando do destino ou natural porfia.
Mas não definhará o teu eterno Verão,
Nem a tua beleza há-de deixar de ser,
Nem a Morte dirá que em sua sombra és,
Quando, em eternos versos, no tempo tu cresceres.
Enquanto alento houver e
houver humano olhar,
Hão-de viver meus versos, e
tu neles viver.
Soneto 104
Para mim, belo amigo, nunca terás idade,
Pois tal como me foste, quando te olhei no olhar,
Assim me és: belo ainda. Três Invernos medonhos
Agitaram dos ramos três Estios em esplendor.
Três gentis Primaveras se tornaram Outonos,
Eu vi as estações em constante mudar,
Três perfumes de Abril queimados por três Junhos
Desde que então te vi; e ainda: igual frescor.
Ah! Porém, a beleza, sem passo percebido,
Como braço do tempo recua, rouba a forma;
E a tua doce cor, parecendo não mudar,
Varia na mudança, pode iludir-me o olhar.
Para que tal não fora, escutai, vós, por nascer:
Antes de vós nascerdes, o mais belo morrera.
William Shakespeare, “31
Sonetos”, Tradução de Ana Luísa Amaral, Relógio D´Água.
Sem comentários:
Enviar um comentário