terça-feira, 7 de dezembro de 2021

"Vírus" de Inês Lourenço

Há uma tristeza inerme nos feriados,

um entrega do pulso das cidades

a um vírus insidioso 

habitante das janelas onde 

nada está para chegar 

ou para partir. Lá dentro cumpre-se o decálogo

dos cansaços. Cá fora perdemo-nos 

no planetário do asfalto, na vã arritmia

dos semáforos acesos. As fachadas 

transbordam de umbrais vazios

e as frontarias bancárias da Baixa 

semelham basílicas fechadas ao culto. À beira-mar 

grupos de catalépticos auditores da Bola 

oriundos de algum centro comercial 

passeiam filhos, esposas e animais de companhia

até às esplanadas da outra margem,

para regressos na fila de escapes do crepúsculo. 

in "Um Quarto com Cidades ao Fundo", Quasi edições, 2000.

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