domingo, 3 de fevereiro de 2013

Sossega, Puto, sossega!

"O Miúdo e a Bicicleta", filme Jean Pierre e Luc Dardenne

Há dias ficamos a saber que Cyril (Thomas Doret), o actor do filme “O Miúdo e a Bicicleta”, andou com o seu frenesim e agitação cicloturística pelo canal 2 da RTP (em qual é que poderia ser?). Andou? Aos doze anos não se anda, corre-se, neste caso pedala-se e muito, vai-se até ao fim do mundo, inquietamo-nos com os pés, desinstala-se o medo, atiram-se pedras à boca e com o coração nas mãos e com a língua de fora, ninguém mais nos segura até sabermos as razões, ou mesmo sem elas, somente para que nos digam o porquê de nos terem abandonado. Porquê? Digam, por favor. Podiam ao menos dar uma razão, uma explicação que seja, façam alguma coisa para travar esta aflição. Estranhos, estes adultos. O que é que será que é preciso? E, logo numa casa de acolhimento, porquê? E por isso vamos com ele até ao fim, atentos ao que acontece, à espera que alguém desate o nó. E…lá está a câmara frenética dos irmãos Dardenne sempre atrás dele e da sua camisa vermelha (porque terá sido o vermelho a cor escolhida?). E lá vai ele, sempre ele, a pedalar, como um pequeno cavalo ofegante na esperança de desatar aquele nó, ao alcance do pai. E o certo é que não o desata. É que a explicação não vem, a resposta não chega, mas há, entretanto, a almofada que Samantha (Cécile De France) lhe estende à espera que corra tudo bem… apenas por enquanto, o valor do sorriso e o colo de quem se coloca na pele do outro, e bem que podia ser qualquer um de nós a tentar compreender, a exortar uma clarificação, a aspirar por uma justificação. Sorte, portanto, haver esta Samantha, cabeleireira de profissão, com um sorriso doce e maternal, disposta a passar com ele os fins-de-semana, primeiro, e depois a travar o desassossego de Cyril quando a corda rebenta e a estação de serviço quase explode…de raiva. É ela quem consegue apaziguar tanta dor e revolta. Cyril vai ter que aprender a viver com aquela nódoa no coração. É assim quando somos abandonados, à força das circunstâncias ou intencionalmente. Não é fácil, mas vale a pena tentar. E por isso é que nós agradecemos aquele passeio de bicicleta – belíssimo momento de cinema! - com direito a lanche do “casal” bem já perto do final, pois, como nos diz a Hanna Arendt, “nada nos introduz mais no universo vivo do que o amor”.

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