quarta-feira, 10 de abril de 2013

"Jáfoneca"


(ou o contínuo Inverno açórico na Praça Velha)

    De vez em quando a memória tem destas coisas pois é capaz de atirar para o presente recordações de infância ao mesmo tempo que se esquece do lugar onde deixou o filme que se encontrava a ver. Caminha-se pela urbe atlântica e alguém aproveita para fazer um sorriso gracioso, amável, familiar, ali no lugar onde se reúnem e se encontram as pessoas há muitos, muitos anos, daí o nome de Praça Velha. Subitamente, este homem alto que sorri para mim, estende-me o braço, aperta-me a mão para me cumprimentar, num gesto simples, amigo e delicado. Ri-se muito. Saúda-me e pergunta-me se está tudo bem. Este homem podia ser meu pai, meu avô, um velho amigo. Este homem fala comigo como se me conhecesse. De onde é que o conheço? Não o conheço certamente. No entanto, decido ficar com ele, ali no meio da antiga ágora angrense, a ouvi-lo, como se nada mais existisse para fazer. É isso que eu faço. Este homem tem oitenta e dois anos, uma cara carregada de rugas e de tempo e possui dois olhos com a cor do mar. Pergunto-lhe o nome sem ele dar conta. Diz-me que ele será sempre o “Jafoneca”, que lhe chamam assim desde pequeno na sua freguesia, na ilha. Tento fixar o nome mas não sei se é assim que se escreve nem interessa. Interessa-me é escutar o mais velho marinheiro de Porto Judeu em actividade que demora duas horas a chegar ao Topo, na Ilha de São Jorge, para encetar a sua pesca ao goraz, cherne, boca negra, espadarte. Acrescenta que trabalha no mar e na terra, já que também é agricultor. Indago se este conheceu o Chalandra, o que confirma e diz-me que este fazia transporte de passageiros entre o porto de alfândega e os navios de carga. Olha-me nos olhos, fito-o com a atenção e eu fico com a sensação de que o conheço há tantos anos, ainda que nunca nos tivéssemos visto ou conversado. “Jafoneca” é possuidor de um barco de vinte e cinco bulhas de nome “Foguete”, no entanto por causa do mau tempo apenas foi cinco vezes ao mar entre Janeiro e Março. Este homem trabalhou quarenta anos na estiva. Eu podia ficar aqui o dia inteiro a ouvir este homem e despeço-me até um dia destes ao acaso. Não é que eu não queira é porque não posso, pois estes homens estão vivos, demasiado vivos dentro de mim.

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