quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Uma Missiva para os Alpes


Estimado Janeiro Alves,
Escrevo para lhe contar que tenho vivido dias intensos e felizes no Solar dos Manaias muito embora não deixe de pensar que a sua carta é reveladora de tempos sombrios e tenebrosos deste presente que nos encontramos a viver. A seu tempo tenciono contar ao mundo os planos de Vivaldo Manaia – tremo só de pensar nas revelações - e gostaria muito que Janeiro Alves se deslocasse até este pequeno paraíso e desfrutasse connosco das muitas maravilhas a que a vida nos tem vindo a presentear e surpreender. Começo por falar-lhe desta ilha que, para lá da descoberta diária de tantos recantos naturais que me levam do fascínio ao arrepio, quase sobrenatural, deixo-me encantar por estas ruas do seu centro histórico, ainda que muito pouco habitado com casas degradadas. Por vezes e, ainda resquícios da minha boémia estudantil, desapareço durante alguns dias e nem a a minha mais recente amiga sabe do meu paradeiro. Aproveito, no entanto, para referir que tenho usufruído e fruído com alegria estes dias com a mais intelectual e filósofa dos Manaias: a Miriam. Para minha surpresa, esta encontra-se a escrever um ensaio filosófico intitulado “Prolegómenos de Querença e da Pertença Tardia” ao mesmo tempo que se deixa acompanhar por um caderno de apontamentos onde esboça o seu próximo romance, que conta para já com o título provisório: “Areópagos de Bruma”. São também muito invulgares os serões  literários que esta organiza em torno de um livro, de um poeta,  de um filósofo,  ou até mesmo de um dramaturgo. A casa e a mesa da sala de jantar enche-se de amigos e literatos para conversar sobre as obras em questão e degustar as delícias gastronómicas e etílicas que cada conviva transporta para o serão. Na última sessão, acabei por ler um poema de Óscar Manaia, o mais desbragado, hábil e viril dos Manos Manaia,  pressentindo na minha anfitriã uma luminosidade e súbita humidade nos seus olhos de cor de amêndoa. O poema tinha somente estes versos: “Agora que já não te visito nem te avisto/ Tão pouco te enfrento ou te afago/ Fico longas horas assustado/ Ao teu convite destemido/ Respondo de modo desgostoso e cansado.” De qualquer modo, estou deveras impressionado pela cultura e classe de Miriam Manaia, fascinado sobretudo pela sua pulsão epistemofílica, o que me obriga por vezes a dar o meu melhor. Neste último sábado, a Miriam e eu, saímos bem cedo pela manhã para assistir ao nascer do dia assim que caía uma chuva medieval com nuvens negras que carregavam água sobre nós e eis que, subitamente, ficamos os dois especados no centro da rua do Colégio a absorver aquele instante, num misto de céu azul a despontar à espera que as nuvens negras passassem. Miriam tem no entanto consciência que quando eu me afastar do solar ela irá sentir saudades das noites e dos serões passados em conjunto. Por isso, decidi prolongar a minha estadia junto desta. Infelizmente, Miriam não partilha do meu mirífico entusiasmo à volta da rua do Colégio, desconfiando inclusive da sua genuinidade. Afirma mesmo que exagero e que aquilo que digo é digno de um jovem poeta, excêntrico e com poucos livros publicados.
O amigo Janeiro Alves que me perdoe estas confidências mas como deve compreender estava a precisar de desabafar  com alguém para lá do clã Manaia, por outro lado entrei numa fase da minha vida em que já não tenho nada a esconder ou mesmo a perder.
Com a minha profunda amizade,
Mara, Doutor.

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