quarta-feira, 4 de abril de 2018

Breve Léxico do Nosso Tempo

     “E uma nova civilização começou a erguer-se a uma velocidade inaudita diante de nós e penetrou bem dentro de nós. Com as redes, todas as regras do jogo político, sócio-económico e cultural foram profundamente afectadas ou mesmo desintegradas. Uma rede sem centros e sem diferenciação do espaço e do tempo constituiu um corte radical com todas as categorias da experiência anterior à reticulação do mundo. Mesmo aquelas que designamos como “redes sociais” nada têm a ver com aquilo com o que caracterizou até agora o social e, definidas por antigos critérios, poderíamos dizer anti-sociais. O imenso caudal de reflexões teóricas e análise de dados que têm como objecto a internet mostra que esta suscita visões contraditórias: por um lado, ela é portadora de um imaginário de emancipação e acesso livre generalizado ao saber e à informação; por outro, traz consigo o lado mais negro da barbárie tecnológica. Não basta dizer, utilizando a linguagem de Marcel Mauss, que a rede significou um facto antropológico total. É algo mais do que isso: a nossa condição de indivíduos constantemente conectados, determinou a viragem para uma antropologia do artificial e para uma condição pós-humana. Estar ligado à rede, em permanência, significa também ser continuamente interrompido e entrar no regime da comunicação desconexa e fragmentada. A economia e a ecologia da atenção tornaram-se, assim, questões maiores do nosso tempo. Mas as mais visíveis transformações operadas pela rede são as do próprio sistema capitalista: nas modificações das formas de trabalho, nas metamorfoses do poder (não apenas  o poder político, mas todo aquele que é hoje inerente a uma sociedade de controle) e, muito especialmente, num aumento colossal de mercadorias cada vez mais imateriais.”

António Guerreiro e João Oliveira Duarte in “Breve Léxico do nosso Tempo” – revista “Electra”, Março de 2018.

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