terça-feira, 7 de maio de 2019

Há Cem Anos...

           
           "O peso da classe média na vida política, no funcionalismo, no jornalismo, na instrução e no meio empresarial introduziu uma nova dinâmica na vida micaelense. Jovens licenciados, oriundos  de estratos sociais mais baixos, foram marcando posição contribuindo para uma abertura mental, cultural e social que já se delineava no final da era de Oitocentos.
          Mas há um factor que é o grande responsável por alterações repentinas na liberalização dos costumes micaelenses. A instalação da base naval americana (1917-1919) teve um impacto extaordinário na pacata cidade de Ponta Delgada, com a presença diária de centenas de militares americanos e ingleses. A cidade fora bombardeada por um submarino alemão, a 4 de Julho de 1917, o que levou os americanos a acelerar a fixação nas ilhas para não perderem o controlo do Atlântico. Naqueles três anos, fundearam no porto de Ponta Delgada cerca de 2 mil navios estrangeiros e o movimento continuou no ano de 1920, com 480 navios entrados. 
            Proporcionar alimentos, diversão e bem-estar a esses hóspedes, facilitou um enriquecimento rápido de sectores da população que nunca imaginaram tanta fartura em tão curto espaço de tempo.
            Ponta Delgada, pela força das circunstâncias decorrentes da I Guerra, abriu-se ao mundo, aos gostos e so desejos dos visitantes, com a mira de captar os dólares e as libras que circulavam paralelamente ao escudo.
            A procura dos mais variados géneros e serviços, pagos em divisas e a bons preços pelos tripulantes das embarações referidas ou pelos que estavam aquartelados na ilha, dinamizou uma actividade comercial intensa com reflexos na vida quotidiana. 
        O primeiro sinal reflectiu-se no aumento do custo de vida, já de si inflacionado pelas consequências da própria guerra. Nos finais de 1917, o Açoriano Oriental conjecturava:"Daqui a pouco, só veremos americanos por essas ruas e por esses estabelecimentos. Não pesam sobre nós, mas a sua permanência torna os géneros mais caros". A previsão concretizou-se e, no ano seguinte, já afirmava que Ponta Delgada  tinha um aspecto de grande cidade, comercialmente falando. Os estrangeiros gastavam à farta e não regateavam preços.
             As centenas de marinheiros que circulavam pela cidade proporcionaram a abertura de cafés, restaurantes e outros espaços de diversão que alteraram o sossego do velho burgo.
         Em duas ruas contíguas, a do Frade e Pedro Homem, havia oito restaurantes, embora a maioria não tivesse condições higiénicas e, por isso, não sobreviveram. Mas outros eram mais requintados, um deles tinha até música durante as refeições, e os nomes deles são bem elucidadtivos da clientela a que se dirigiam: New York, Orion, United States, Winter Garden, Washington ou 20th Century.
      Novos cafés também surgiram, como o United States e o Picadilly. O negócio de comidas e bebidades prosperou imenso. A própria imprensa fazia eco exagerado dos preços praticados, como, por exemplo, cobrar 300 réis por um cálice de vinho abafado."
Carlos Enes in"O Fútil e o Útil - Apelos da Publicidade na I República"

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