Caro amigo Janeiro Alves,
Gostaria de dizer-lhe o quanto venerei a sua missiva em meados de Fevereiro, talvez porque há muito não lia um escrito em língua portuguesa tão livre e serenamente escorreito. Os meus sinceros encómios para si e para os seus mestres de longa data, obviamente, pois tenho a certeza que esta epístola amiga será guardada secretamente debaixo de um colchão de uma cama setecentista, à semelhança do que realizava na infância com os maços de notas do monopólio, após várias vitórias consecutivas. Ando, portanto, há alguns dias impaciente para lhe responder, mas, como o meu caro amigo bem sabe, as minhas austeras e vigorosas rotinas, deixam-me sem tempo nem espaço para fazer seja o que for. Escrevo-lhe, por isso, agorinha mesmo, antes de me recolher no meu leito de Morpheu, logo após comer as minhas papas de flor de aveia e efectuar somente dois sopros no narguilé.
Tenho levado, nos tempos mais recentes, uma vida demasiado frugal e tranquila, longe evidentemente dos tempos de apostas em casinos e demais investimentos obscuros nos concursos de tiro ao alvo, ou partidas de columbofilia, procurando nesses momentos de estúrdia e evasão a necessária ataraxia que a vida moderna exige. Estou mais calmo, é certo, mas acumulo picos de angustia e euforia, sendo este período marcado por uma felicidade incrível, no entanto pouco ou nada criativa da minha existência.
Há dias, fui pago a peso de cortiça para apresentar uma exposição de fotografia de um jovem altamente promissor, um artista obcecado em fixar manequins existentes nas montras das cidades e os seus mais que desinteressantes olhares e posicionamentos verticais. Agradou-me sobretudo ver que há artistas para tudo bem como a forma como croquete e bolinho de bacalhau invadiu os salões e as vernissages da actualidade. Sem mais, fiquei estupefacto, estarrecido e algo enfartado.
Estou quase a adormecer, amigo Janeiro Alves. Sinto que vou sonhar com a fatia de salmão que comerei bem cedo pela manhã. Da janela do meu quarto vejo um jardim resplandecente, na rua não há vivalma, e a vida por aqui sabe-me a estrelícias em flor e araucárias solitárias! A Primavera ameaça, mas fica-se por aí…à espera que as suas novidades sejam uma evidência, despeço-me…
com elevada estima e reconhecimento,
este seu eterno amigo,
Doutor Mara
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