Os meus pais vieram da merda.
Nasceram no tempo do senhor
que a produzia às mãos mãos cheias
como algodão doce
O meu irmão nasceu quando o meu pai
já tinha umas férias para a África Austral
Um dia fez as malas e lá foi ele, num avião
caçar lágrimas aos crocodilos
Mandou cartas que o meu irmão não entendia.
Também mandou dinheiro para ele, algum dia
as poder entender. Não valeu de nada.
Quando voltou, muito bronzeado, de cara hirsuta
nem a minha mãe, que tem a quarta classe antiga
soube dizer se ele vinha triste ou contente.
O meu irmão, a medo, chamou-lhe "pai". Ele, sem jeito
ofereceu-lhe uma garrafa de anis vermelho
um crocodilo bebé embalsamado
e foi a correr livrar-se das barbas.
Quando eu nasci, o homem do algodão doce já tinha abalado
Houve uma revolução com muitos homens barbudos e zangados
mas que traziam uma flor na lapela de cor do anis
O meu pai comprou uma televisão a correr e um carro novo.
A minha mãe fez um aborto
O meu nome é Paulo Campos dos Reis
Campos da minha mãe
Reis do meu pai.
Muito prazer.
in Autógrafo seguido de Autocolantes, Quasi Edições, 2005
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