sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Fuso Insular: As Voltas da Memória!

      Terminou este domingo a 6ª edição do Fuso Insular no Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande. O fim de tarde de sábado serviu para mostrar os vídeos realizados durante os três meses de verão na residência criativa, frequentada por criadores a viver no arquipélago açoriano. No total, foram 7 os vídeos apresentados, revelando cada um deles ansiedade em mostrar o resultado final neste encontro anual no Centro de Artes contemporâneas. 
         À pergunta: o que fazer durante o verão açoriano? Os participantes do Fuso Insular, uma residência artística ligada às imagens em movimento, tiveram encontros semanais, delinearam ideias e argumentos, conceberam guiões e passaram para a captação e recolha de imagens e de sons. Tudo isto durante o abafadíssimo estio açoriano, com um orçamento residual e sem grandes recursos ou meios técnicos. Após reunirem o seu material e imagens, juntaram-nas e desataram a contar as suas histórias e “narrativas visuais”. Qual é a novidade, então, do Fuso Insular? É, essencialmente, o processo colaborativo entre os participantes e os formadores presentes, designadamente: André Laranjinha, Rachel Korman e Catarina Mourão. O Centro de Artes Contemporâneas cumpre aqui também uma das suas funções: promover e difundir a realização de obras de arte de criativos residentes nos Açores. É dentro deste esforço conjunto que se preparam estas apresentações públicas, realizando uma sessão própria para a apresentação destes objetos artísticos ao público.
       Assim, na tarde de sábado, dia 26, foram sete as obras apresentadas, cerca de sessenta minutos no total, tendo a sessão começado com o filme de Catarina Fernandes - “Ainda Bem que a Lua Existe”, uma narrativa afetiva envolvendo a sua memória pessoal e a sua ligação à mãe, um gesto de afeto carregado de sonhos, lembranças e canções pessoais. Seguiu-se “O Lado Sombra”, de Sandra Medeiros, um objeto fílmico sobre a invisibilidade, o reconhecimento de um corpo e das suas sombras, e ainda tudo o que guardamos cá dentro e queremos ocultar, na realidade um trabalho intenso, muito bem elaborado. Acompanhámos depois "Tudo Está em Tudo”, de Maria Emanuel Albergaria e que nos trouxe a vida vegetal e o envelhecimento sob a forma de cores fortes e intensas, vislumbrando a transformação que o tempo exerce sobre a existência. Quanto ao filme “De Marfim, Com Amor”, de Ana Cabral, este transporta-nos para um corpo de memórias fragmentadas, com objetos herdados de avós que nunca conheceu, questionando o seu legado no presente, numa visão final que comporta o regresso a uma lembrança uterina.  Depois, seguiu-se a proposta do coletivo Atelineiras, intitulado de “Ao Redor”, que consistiu na composição dum herbário construído, a recolha de plantas existentes na paisagem açoriana, jogando assim de forma dialética entre as “invasoras” e “endémicas”, como se as palavras se pudessem encontrar o dentro e o fora dessa diversidade. Continuamos, ainda, com “Migratórios”, Willian da Fonseca, um objeto que mergulha de filmar a travessia, a aventura migrante, ou a metáfora de uma imersão na liquidez e magma insular, interrogando as memórias que as águas carregam e as formas de nos relacionarmos com as misturas, o abraçar de novas crenças e fusões. A sessão fechou com “Movimentos”, de Maria João Sousa, um exercício sobre as deslocações humanas, podendo nós, espectadores, interpretar e decifrar os seus movimentos, o seu rastro e lastro na atmosfera, no espaço e no tempo, num registo bem-humorado.
         Nota final ainda para referir que, devido ao facto de estarmos perante uma residência criativa de curta duração, muitos dos trabalhos do Fuso Insular revelam, na sua maioria, um pendor autobiográfico, tendo muitos deles o território açoriano como denominador comum. São, pois, raros os trabalhos ficcionais, ou de carácter etnográfico, muito embora seja sempre entusiasmante assistir a cada conjunto destes filmes e percebermos o quão diferentes somos na absorção desta nossa experiência insular.

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