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sábado, 29 de abril de 2017

Do Inventor do Nefoscópio de Reflexão

Edição do Instituto Açoriano de Cultura
Angra do Heroísmo, 2017
(Fotografia do livro sobre o banco-Carlos Olyveira)

        “Os passageiros da classe turística são quase todos gregos. Há de tudo, desde o janota com pretensões a gentleman até aos vaqueiros da Califórnia. Poucos interessam. Uma rapariga, alta e esguia, tem todo o tipo das mulheres gregas antigas, e parece tirada de um friso, mas falta-lhe vida. Uma americana loura corre o navio de um lado para o outro em calções, com umas pernas queimadíssimas do sol. Uma húngara, entrada em Lisboa, de reputação duvidosa, tem os cabelos de linho e ares de Dama das Camélias. Diz o meu companheiro que um meu amigo de outrora, J.R., gastou com ela umas dezenas de contos de reis! A americana estouvada entrevistou-a e veio-me pedir para lhe servir de intérprete, porque a húngara só fala francês!! Vaidade ou ingenuidade. Já estou velho para servir de intérprete a damas daquele quilate.
    Depois do jantar foi uma desolação. Os gregos desapareceram cedo. Comeram quase todos na primeira mesa e deitaram-se logo a seguir. Os passageiros melhores foram ouvir o concerto da 1ªclasse. Eu assentei-me sozinho, num grande salão, a ouvi-lo num pick-up. Um belo barítono cantou qualquer coisa que me agradou muito. Disseram-me hoje que é um cantor de certa fama, que viaja na 1ªclasse. A orquestra – uma orquestra muito mais completa do que aquela que toca no nosso salão – executou com decência o 1812 de Tchaikovsky. A maior parte dos músicos são criados de câmara. Mas os italianos são assim, qualquer coisa sempre e mais músicos.” 

in "Primeira Parte - Lisboa-Argel-Nápoles-Roma-Bolonha 
22/08/1937: 05/09/1937"- Coordenação Carlos Guilherme Riley.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

As Ruas de Ponta Delgada

       
     "As ruas de Ponta Delgada são estreitas e as casas amplas. A iluminação é feita com candeeiros de azeite, fixos em toscas pedras-favadas, vendo-se aqui e acolá, em frente das melhores casas, um apertado passeio. Noutros respeitos, assemelham-se estas ruas às estreitas ruas de Paris, com um escasso pavimento de pedra ao meio, que funciona como valeta, por onde, com tempo seco, passa um burro acompanhado do condutor, que vai correndo e vociferando atrás. O rés-do-chão das casas é utilizado para lojas, armazéns ou estrebarias. As lojas recebem a luz pelas portas e não teem montra. Não há aqui, portanto, aquela alegre variedade de frontarias e estabelecimentos, como em Inglaterra. Pelas portas abertas se vêem e prateleiras com as mercadorias. Os sinais indicativos dos diversos ramos de negócio estão indicados estão pendurados às portas. Numa, por exemplo vê-se uma dúzia de tiras de algodão estampado, presas a um pequeno pau e flutuando como as fitas do chapéu de um sargento-instrutor. Quer isto dizer que ali dentro está um negócio de fazendas, com os seus panos de algodão, cadarços e meadas. Mais adiante, um pequeno molho de achas, uma cesta de cebolas, algumas cabeças de alho e duas ou três velas penduradas noutro pau, indicam uma mercearia.Um sapateiro tem à porta um feixe de tiras de couro e uma chapeleiro um chapéu pintado na parede. Um talho ostenta  ao vento pedaços de tripa seca ou o grosseiro desenho de um boi ao qual serram um chifre, sendo a serra do mesmo tamanho do serrador. Tal como em alguns becos de Londres, por sobre a porta de um leiteiro, vê-se pintada uma vaca vermelha, arqueada. Um ramo verde de faia indica a loja de vinhos e se houver também um galho de buxo fica-se sabendo que ali se vende aguardente. Assim era na Inglaterra, onde se dizia que "o bom vinho não precisa de ramo". Noutras lojas, vê-se uma pequena tabuleta suspensa de curto pau, com palavras portuguesas significando "bom vinho e aguardente", grosseiramente pintadas. Ao contrário do que acontece entre nós, o nome do lojista não se vê sobre a porta.
      As janelas dos primeiros andares, logo acima das lojas e dos armazéns, são em geral guarnecidas com pequenas varandas de madeira entrelaçada, como nas janelas das nossas leitarias, pintadas de vermelho escuro, verde ou branco. Nas casas maiores vêem-se elegantes varandas de ferro. Pelas goteiras dos telhados escorre água em abundância e a telha da esquina toma frequentemente a forma de um pássaro de asas abertas, ou alonga-se para cima em comprida ponta. Os edifícios são caiados de branco e as ombreiras das portas, cantarias das janelas e cornijas ficam em geral da cor da pedra, cinzento escuro ou negra. Os sapateiros trabalham sentados à entrada das portas, os alfaiates estão acocorados, o ferreiro com o ferro na rua, em frente da porta, cobre carvões em brasa. Os que eu vi sentados em bancos no interior das lojas, pareciam haver sacudido aquela melancolia congénita que lhes atribui, entregando-se a ruidosa alegria."

in Um Inverno nos Açores e Um Verão no Vale das Furnas, de Joseph e Henry Bullar, escrito em 1838-39, numa edição do Instituto Cultural de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, 1986.