A partir do momento em
que as nuvens negras desaparecem, os guarda-chuvas são arrumados nas
prateleiras, o azul do céu se torna estável e a temperatura aquece, há quem
tire a bicicleta da garagem e anuncie aos quatro ventos que a democracia nas
estradas ganhou um novo parceiro.
Acreditem, isto não é
nostalgia. E quem escreve não é nefelibata. As bicicletas também têm espaço
neste mundo cheio de futuro ou de povos que insistem em não ter memória. Pois,
para alegria de uns e desespero dos outros, o veículo de duas rodas nunca
estará na moda aqui em Portugal, principalmente nas principais cidades. A prova
máxima disso encontra-se na imagem do seu utilizador comum, que a maior parte
das vezes ostenta uma cara dor e sacrifício sempre que é visto a puxar por
pedais e cremalheiras. Outra das razões que os mais preguiçosos apontam para o
insucesso deste velocípede tem a ver com a constituição física das nossas duas
cidades maiores, onde abundam as descidas picadas e as subidas extremas.
Estamos, por isso, longe
do norte europeu, onde a bicicleta a pedal foi talvez o mais amado dos
transportes terrestres. Em países como a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, o
Reino Unido, jamais se pedalou por obrigação, mas por prazer, sendo raro
conhecer-se belga, holandês ou dinamarquês que não tenha uma "ginga"
arrumada no quintal ou na garagem. Mais ainda teriam a dizer os seus
antepassados, pois não terá sido por acaso que a primeira bicicleta com pedais
(na roda dianteira) foi construída, à volta de 1839, por Kirkpatrick Macmillan,
um ferreiro escocês. Mas seria só em 1885 que apareceria a primeira bicicleta
moderna reconhecível, com uma corrente fazendo a ligação dos pedais à roda
traseira. Este modelo foi denominado "bicicleta segura", por ambas as
rodas serem de tamanho igual, em vez do modelo anterior, no qual o ciclista se
sentava no topo de uma enorme roda dianteira. Esta nova bicicleta criaria uma
vaga ciclística na Europa e nos Estados Unidos, providenciando aos
trabalhadores um meio de transporte barato e conveniente. O aparecimento do automóvel,
nos primórdios do século XX, diminuiu gradualmente o papel da bicicleta nos
países desenvolvidos, mas ela mantém-se como uma forma básica de transporte em
muitas outras partes do mundo.
Neste pequeno
país do sul da Europa, os primeiros a tomarem o gosto à bicicleta foram os
operários, que mais tarde, na sua condição de "remediados", deixaram
as suas estimadas "pasteleiras" e adquiriram motorizadas de
"terceira divisão", verdadeiras promotoras da poluição sonora e atmosférica.
Hoje, os filhos da classe média sonham com motas potentes, dotadas de
encantadores ruídos capazes de seduzir as suas femininas paixões. Um dia, já
com a tal mota, perceberão que os pais delas teriam preferido que as filhas
dessem umas voltas com eles nas bicicletas. "É mais seguro e mais
económico" - dirão para os lençóis numa noite de sábado.
Num passado não
muito longínquo vivíamos agarrados às histórias dos descobrimentos e à visão
poética do mar, dos barcos e dos marinheiros, que marcaram e definiram a imagem
deste povo e da sua história trágico-marítima. Actualmente, deixámos o
Atlântico e virámo-nos para a Europa, provando as estatísticas a espectacular
subida das vendas de automóveis. Esses veículos poluidores, verdadeiros
"dealers" de monóxido de carbono: grandes consumidores, para grandes
viciados e grandes intoxicados. Tudo em grande. E foi mesmo o automóvel que,
nos primórdios do século que passsou, fez diminuir o papel da bicicleta nos
países desenvolvidos.
Em Aveiro,
pequena cidade do centro do país, criou-se entretanto a BUGA (Bicicleta de Uso
Gratuito de Aveiro), fomentando o número de utilizadores, generalizando o seu
uso, facilitando a mobilidade entre os vários espaços citadinos. É com pena que
não se assiste à extensão desta medida autárquica a outras cidades planas do
território nacional, como Guimarães, Évora, Esposende ou Vila do Conde.
Pequena é porém a
"elite" que insiste em tratar a bicicleta como meio de transporte
nobre, que de facto ela é. São os chamados "alienados do pedal". E
são realmente os pedais que os fazem mover por essas estradas fora, descida
abaixo, subida acima, sempre a pedalar. Adoram a natureza, detestam o barulho e
se pudessem acabavam de vez com a poluição no planeta. Para estes, andar de
bicicleta representa um estádio superior de civilização. E quem os vê pedalar,
cheios de vigor e entusiasmo, chega a pensar que a revolta das bicicletas
estará próxima. Pois que seja para breve, bicicleteiros!
domingo, 14 de junho de 2015
Foram as Bicicletas que Inventaram o Verão
(Artigo publicado na zonanon
em Abril de 2002)
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