sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Velejar num Solitário até aos Açores


Ilustração de Pedro Valim
Nils Andresen não era um marinheiro qualquer, já que passou uma parte da sua vida a velejar e a publicar livros sobre os sítios por onde passava. Velejar e escrever foram dois actos contínuos e persistentes ao longo da vida e que, decididamente, o tornaram célebre junto de uma pequena comunidade de leitores ligados ao mar. Carl sentado, ao fim da tarde, numa taberna do centro histórico de Angra do Heroísmo, pensava inúmeras vezes na figura esguia e doce do seu avó e nas ocasiões que este deve ter puxado do seu caderno de apontamentos para fixar os acontecimentos do dia. Ao mesmo tempo pensava na sua própria loucura e no dia em que decidiu fazer-se ao mar para cumprir uma missão familiar: devolver os manuscritos do avó à pessoa que lhe terá feito permanecer na ilha mais tempo do que seria expectável. Uma pergunta assombrava a sua presença naquele lugar a meio do atlântico: quem seria o afortunado ou a felizarda daquela dedicatória a que os manuscritos faziam referência? Ali absorto em pensamentos, julgava que só o facto de ter ali aportado já teria valido a pena. Ele próprio não conseguia racionalizar muito bem os motivos e as razões da sua ousadia e aventura. Foi, por isso, no dia em que deixou de ir até junto do mar que decidiu viajar em solitário até aos Açores. Há tanto tempo que ele não saía do mesmo lugar daí aquela mistura de sentimentos. O que terá acontecido para se sentir tão alegre e triste ao mesmo tempo, perguntou-se? Carl há muito tempo que não vivia junto de um lugar tão próximo da natureza extrema, fosse no Inverno ou Verão. E velejar fazia-o crer que já não tinha casa. Queria muito acreditar que talvez o mar fosse a sua única morada de felicidade. Recorda-se também que um dia foi deslocado para um sítio sem mar. Os primeiros meses chegou mesmo a ficar muito abatido, tão arriado, que a planície que avistava proferia ser o mar a correr dentro dele. E emocionava-se.