Ilustração de Pedro Valim |
Nils Andresen não era um
marinheiro qualquer, já que passou uma parte da sua vida a velejar e a publicar
livros sobre os sítios por onde passava. Velejar e escrever foram dois actos
contínuos e persistentes ao longo da vida e que, decididamente, o tornaram
célebre junto de uma pequena comunidade de leitores ligados ao mar. Carl sentado, ao fim da tarde, numa taberna do
centro histórico de Angra do Heroísmo, pensava inúmeras vezes na figura esguia
e doce do seu avó e nas ocasiões que este deve ter puxado do seu caderno de
apontamentos para fixar os acontecimentos do dia. Ao mesmo tempo pensava na sua
própria loucura e no dia em que decidiu fazer-se ao mar para cumprir uma missão
familiar: devolver os manuscritos do avó à pessoa que lhe terá feito permanecer
na ilha mais tempo do que seria expectável. Uma pergunta assombrava a sua
presença naquele lugar a meio do atlântico: quem seria o afortunado ou a felizarda
daquela dedicatória a que os manuscritos faziam referência? Ali absorto em
pensamentos, julgava que só o facto de ter ali aportado já teria valido a pena.
Ele próprio não conseguia racionalizar muito bem os motivos e as razões da sua
ousadia e aventura. Foi, por isso, no dia em que deixou de ir até junto do mar
que decidiu viajar em solitário até aos Açores. Há tanto tempo que ele não saía
do mesmo lugar daí aquela mistura de sentimentos. O que terá acontecido para se
sentir tão alegre e triste ao mesmo tempo, perguntou-se? Carl há muito tempo
que não vivia junto de um lugar tão próximo da natureza extrema, fosse no
Inverno ou Verão. E velejar fazia-o crer que já não tinha casa. Queria muito
acreditar que talvez o mar fosse a sua única morada de felicidade. Recorda-se
também que um dia foi deslocado para um sítio sem mar. Os primeiros meses
chegou mesmo a ficar muito abatido, tão arriado, que a planície que avistava proferia
ser o mar a correr dentro dele. E emocionava-se.