terça-feira, 23 de abril de 2024

Verso de JP Simões

 Se por acaso me vires por aí

Música para os 50

 -Canto do Amanhecer - Asas Sobre o Mundo, 1989  - Carlos Paredes
-Quando a Alma Não é Pequena - Quando a Alma não é Pequena, 2006 - Dead Combo
- Que Amor Não Me Engana - Venham Mais Cinco, 1973 - Zeca Afonso
 - Mai 86 - Querelle, 1987 - Pop Dell´Arte
-Taxonomia - Errôr, 2019 - Linda Martini
-Sete Naves - Os Homens Não se Querem Bonitos, 1985 - GNR
- Canção a José Mário Branco - 2 de Abril, 2022 -A Garota Não
- Que Força É Essa - Sobreviventes, 1972 - Sérgio Godinho
-Lembra-me um Sonho Lindo - Por este Rio Acima, 1984 - Fausto
- Queixa das Almas Jovens Censuradas - Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, 1971- José Mário Branco
- Soldado - Sitiados, 1988 - Sitiados
-Sete Naves - Os Homens Não se Querem Bonitos, 1985 - GNR
-Como um Cavalo Louco - Um Zero Amarelo, 1998 - Um Zero Amarelo
-Hino à Nossa Luta - Divergências, 1986
 - Linha Geral

Desconfiava que isto iria ser assim...

 - “Sim, é certo, eu desconfiava que isto iria ser assim”. – “Assim, como?”, perguntei. Naquele precioso instante desfilavam na minha memória imagens de pirolitos frescos a escorrer pela garganta, bicicletas exangues encostadas ao musgo das paredes, tardes de praia temperada com barracas de tiras azuis a proteger da nortada, numa frase ouvida e repetida numa eternidade – “Vem aí os Canhões!”.  Enfim, cinquenta anos passaram sobre o momento histórico e até parece que tudo isto não passa de uma canção que ressoa a liberdade em cada um de nós na hora de voltar à carga. Valha-nos, pois, essa palavra leve e verdadeira com que cunhamos a efeméride. Uma palavra que pretendemos justa, como carne vivificada em nós, uma elevação maior perante o que ainda poderemos fazer no futuro. “É pouco”, diz-me quem já não acredita que se possa ter como lema existencial o archote da esperança! “Talvez”, apaziguo-lhe a raiva e confirmo-lhe a incerteza do tempo sombrio que nos calhou viver. Reafirmo, no entanto, que a mágoa do abandono é grande e não é só desta pessoa em concreto mas também por tudo aquilo que foi amado e que já não volta, e por isso faço questão de relembrar esse gesto inicial que retoma agora à sua fonte principal e, quem sabe, ainda se possa renovar. Acreditemos!

domingo, 14 de abril de 2024

Da Mudança

              Ninguém duas vezes passa o rio, porque os rios se afastam para morrer.
                                                                                                   Luiza Neto Jorge

domingo, 7 de abril de 2024

Anatomia de Uma Queda

Filme de Justine Triet, 2023
  Sandra Huller possui um rosto enigmático, perfeito para narrativas indagadoras. “Anatomia de uma Queda”, de Justine Trier, é o filme perfeito para uma actriz misteriosa, um casal em crise  e uma explanação duradoura sobre um homem que cai do alpendre da sua própria casa em reparação. Justine Trier filma inicialmente os rostos da perda, uma mãe e um filho que, cada um à sua maneira, estabelecem as coordenadas sobre o que pode ter acontecido. Pelo meio, há pistas e vestígios desse acontecimento inesperado. Por último, há um julgamento inverosímil que fortalece ainda mais o enigma, o mistério, o segredo. O rosto esfíngico de Sandra Huller permanece!

Música Para Abrilar

 -Real House - Bright Future, 2024 - Adrianne Lenker
-No Café - Crime, 2017 - João Paulo Esteves da Silva
-Love Comes to Me - The Letting Go, 2004 - Bonnie Prince Billy
-Baby - Gal Costa, 1968 - Gal Costa e Caetano Veloso
-Mary Boone - Only  God Was Above Us, 2024 - Vampire Weekend
-Irene - Cavalo, 2014 - Rodrigo Amarante
- Island Life - Hadsel , 2023 - Beirut
-Another Night - Curtains, 1994 - Tindersticks
-Don't Know How To Keep Loving You - Crushing, 2019 - Julia Jacklin
-White Fire - Burn Your Fire For No Witness,  2014 - Angel Olsen
-Terminal Paradise - U.F.O.F., 2019 -  Big Thief
-Syreeni - Lilla, 2022  – Anna Järvinen

Ontem, escrito numa parede da cidade

 Já reparaste que estou aqui?

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Verso dos Vampire Weekend

 Oh, my love, was it all in vain?

Um Tal de Fernando Assis Pacheco

Vivo com ele há anos suficientes 
para poder dizer que o reconheceria 
num dia de Novembro no meio da bruma
é como uma pessoa de família

adorava os pais mas tinha medo
quando zangados se punham aos gritos
e se chamavam nomes odiosos
não invento nada vi-o crescer comigo

chorava então desabaladamente 
e eu com ele sentindo-nos perdidos 
o cobertor puxado sobre a cabeça 
seria trágico se não fosse ridículo 

mesmo depois a noite que urinasse 
no pijama era um protesto civil 
encharcou assim grande parte das Beiras 
não lhe perguntem se foi feliz 

Fernando Assis Pacheco, in Respiração Assistida, Lisboa, 25 de Maio de 1995

quarta-feira, 3 de abril de 2024

"Meu Nome É Gal": o Brasil da Tropicália!

Filme de Dandara Ferreira e Lô Politi
Cartaz daqui: https://www.doistercos.com.br/


        Filme à volta da vida e das canções da cantora brasileira Gal Costa. A intérprete é Sophie Charlote que encarna a tímida cantora que, no fim da década de sessenta,   vai da Baía até São Paulo e depois pousa nas águas cálidas do Rio de Janeiro, sempre com o fito de se tornar cantora, ou como terá dito, João Gilberto, "Gal - a maior cantora do Brasil".
      O registo é enérgico e melancólico, não podemos esquecer que se trata do Brasil da ditadura militar e, sobretudo, da vontade de igualar as modas e as novidades que chegavam do norte, sendo também esse o desejo da sua juventude. O que foi, afinal, o movimento Tropicália? Abalo e força desse desiderato juvenil ao absorver os sons e ritmos provenientes da cultura anglo-saxônica,  à altura, irradiante e dominante, dando-lhe, assim, o seu cunho tropicalista. No fundo, pretendiam dar a conhecer esse Brasil em mudança que ousava arriscar e se projectar no futuro, tal como a letra desta canção: “Você precisa saber da piscina/Da margarina, da Carolina, da gasolina/Você precisa saber de mim/Baby, baby, eu sei que é assim”. Belo e sedutor filme sobre uma das grandes vozes da música popular brasileira.  

quinta-feira, 28 de março de 2024

Brecht no Museu Vivo do Franciscanismo

A Exceção e a Regra de Bertolt Brecht 
(Fotografia: Sara Bettencourt)
          
         Brecht escreveu a peça "A Exceção e a Regra" entre 1930 e 1932, sendo que esta só seria publicada no ano de 1937. A primeira vez que  houve uma representação em Portugal, foi em Coimbra, em 1969, com encenação de Ricardo Salvat e representada por membros do CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra). O músico Zeca Afonso editaria alguns dos temas desta peça no álbum "Coro dos Tribunais", decorria o ano de 1974.                                  
     Ontem, no Dia Mundial do Teatro, esta peça foi apresentada pela companhia Vê Teatro, com encenação e temas musicais de Alexandre Braga, contando com o seguinte elenco: Joana Melo, Beatriz Tavares, Alexandre Braga, Rita Matias, Fernando Nunes, Sofia Lopes e Matilde Sousa. O local de apresentação foi o Museu Vivo do Franciscanismo, na cidade da Ribeira Grande.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Das Plantas...

       "Visitei pois Kew, Chiswick, e Regent´s Park Garden, que são jardins ou coleções botânicas escolhidas e visitei dez ou doze Viveiristas de Plantas nos arredores de Londres em um raio de 9 milhas, que são conhecidos como os mais afamados. A impressão que causa Kew é duração e de recordação grandiosa; é uma das mais extensas e completas colecções de plantas."
 
José do Canto, 27 de Março de 1853, in Cartas Particulares a José Jácome Corrêa e Conde Jácome Corrêa, 1841-1893, edição Instituto Açoriano de Cultura, Ponta Delgada, 1998.

Música para um Fim de Tarde Primaveril

-Fade in to You - So Tonight That I Might See, 1993 - Mazzy Star
-Preciso me EncontrarCartola II, 1976 - Cartola
-Don't Let Me Be Misunderstood - Broadway-Blues-Ballads, 1964 - Nina Simone
-Eu Marchava de Dia e de Noite - Coro dos Tribunais,1974  - Zeca Afonso  
-Mariazinha - JP Simões Canta José Mário Branco, 2024 - JP Simões
-Another Day - It'll End in Tears, 1983 - This Mortal Coil
-Estoril à Noite - Amigos em Portugal, 1983 - The Durutti Collumn
-A Summer Long Since Passed - From The Gardens Where We Feel Secure, 1983 - Virginia Astley
-Hope There´s Someone - I Am A Bird Now, 2002 - Antony and the Johnsons & ANOHNI
-Bob in your Gait -The Magic Place, 2011 - Julianna Barwick
-Amore Disperato - Solo Tu, 
1983 - NADA

Primavera

Fotografia de Tânia Neves dos Santos

terça-feira, 26 de março de 2024

nos livros de Luís Xarez

 às vezes as palavras saltam 
passam a fronteira 
da página 
e voam
de boca em boca 
em conversas em recados em citações
de mão em mão 
em bilhetes postais ilustrados 
em textos digitalizados e enviados 
mas não deixam de estar guardados 
nos livros à espera da sua hora 
a aguardar uma leitura libertadora 
as palavras agora
guardam-se nas nuvens 
e a poesia agradece 
porque o que se escreve nas nuvens 
parece espuma parece algodão doce 
mas nunca se esfuma 
nunca desaparece 

in assim, edição de autor, Dezembro de 2019.

Explicação do Poeta de Daniel Faria

Pousa devagar a enxada sobre o ombro
Já cravou muito silêncio

Como punhal brilha em suas costas
A lâmina contra o cansaço
in Poesia, Quasi Edições, 2003

Um Poema de Miguel Martins

Minha irmã tinha um herbário
(um belo herbário arbóreo)
mas o tempo que é otário,
o supremo salafrário,
embrulhou-o num sudário
perfumado a incensório,
que a fecha, sim, num armário,
para baixá-la ao crematório
onde crepita, ilusório,
esse conto do vigário
do trabalho meritório,
para acedermos a um empório
que só vende o acessório 
e, o que ainda é mais notório
torna o mundo menos vário
e muito mais merencório.

in Do Lado de Fora, Dispersos Escolhidos, 1995-2017, Abysmo, 2023.

Alter Ego de Cesare Pavese

Dal mattino alla sera vedevo il tatuaggio
sul suo petto setoso: una donna rossastra
fittta, come in un prato, nel pelo. Là sotto 
rugge a volte un tumulto, che la donna sussulta.
La gioenatta passava in bestemmie e silenzie.
Se la donna non fosse un tatuaggio, ma viva
aggrappata sul petto peloso, quest´uomo
muggirebbe più forte, nella piccola cella.

Occhi aperti, disteso nel letto taceva.
Un respiro profondo di mare saliva
dal suo corpo di grande ossa salde: era stesso
come sopra una tolda. Pesava sul letto
come chi s`è sveglato e potrebe balzare.
Il suo corpo, salato di schhiuma, girondava
un sudore solare. La piccola cella
non bastava all´ampiezza d´una sola sua occhiata .
A vederrgli le mani si pensava alla donna.

in 53 Poesie, Mondadori.

Um Poema de Paulo Campo dos Reis

Os meus pais vieram da merda.
Nasceram no tempo do senhor
que a produzia às mãos mãos cheias
como algodão doce

O meu irmão nasceu quando o meu pai 
já tinha umas férias para a África Austral 
Um dia fez as malas e lá foi ele, num avião
caçar lágrimas aos crocodilos

Mandou cartas que o meu irmão não entendia.
Também mandou dinheiro para ele, algum dia
as poder entender. Não valeu de nada.
Quando voltou, muito bronzeado, de cara hirsuta
nem a minha mãe, que tem a quarta classe antiga
soube dizer se ele vinha triste ou contente.
O meu irmão, a medo, chamou-lhe "pai". Ele, sem jeito
ofereceu-lhe uma garrafa de anis vermelho 
um crocodilo bebé embalsamado
e foi a correr livrar-se das barbas.

Quando eu nasci, o homem do algodão doce já tinha abalado
Houve uma revolução com muitos homens barbudos e zangados
mas que traziam uma flor na lapela de cor do anis
O meu pai comprou uma televisão a correr e um carro novo.
A minha mãe fez um aborto

O meu nome é Paulo Campos dos Reis
Campos da minha mãe 
Reis do meu pai.
Muito prazer. 
in Autógrafo seguido de Autocolantes, Quasi Edições, 2005

Gastão Cruz

    "Toda a escrita autobiográfica fosse uma solução, escrever memórias, dar conta daquilo que foi a sua experiência. Conheceu os grandes, de Antero a Eça. Mas quem se interessava por eles? O mundo caminhava para onde não sabia, e o que deixava para trás,  o país, sumia-se naquela longínqua pequenez que rapidamente se apagava ao percorrer a grande noite espanhola até ao amanhecer, já em França, para trocar de comboio, sem reparar que estava a ser visto por um Mário de Sá-Carneiro que iria contar ao seu amigo Pessoa que o grande poeta afinal era um unhas de fome, a contar tostões."

in Café Lenine, Edições Dom Quixote, 2022.

Rua do Quelhas 35.3º (Valsinha)

Morre-se devagar neste país 
onde é depressa a mágoa e a saudade
ó meu amor de longe quem me diz
como a tua sombra na cidade

Morre-se devagar em frente ao Tejo
repetindo o teu nome lentamente 
cintura com cintura beijo a beijo
e gritá-lo abraçado a toda a gente.

Morre-se devagar e de morrer 
fica a cinza de um corpo no olhar 
ó meu amor a noite se vier 
é seara de nós ao pé do mar.

António Lobo Antunes, Letrinhas de Cantigas, Edições Dom Quixote, 2002.

terça-feira, 12 de março de 2024

Da Leitura

“Na verdade, quem defende esta nova forma de ignorância agressiva de deslumbramento tecnológico não são os novos ignorantes, mas antigos ignorantes, a quem as redes sociais dão uma ilusão de igualdade e uma presunção de saber que transporta todos os preconceitos da ignorância com o ressentimento em relação ao saber e ao esforço de saber. São a forma actual de anti-intelectualismo travestido de modernidade, cujos estragos na educação, no jornalismo, na sociedade, na cultura e na política são devastadores. E, para utilizar uma expressão comum, podem ter a certeza de que ser ignorante agressivo é das coisas menos sexy que há.
           Para além desta nova forma de pobreza, se lhe tiramos o futebol e o Big Brother, o mundo deve ser muito baço. É que ler é entrar em todos os mundos, alegres e sinistros, apaziguadores e violentos, nossos e alheios, e que nunca acabam. No arquivo Ephemera sabemos bem isso, porque cada biblioteca que nos é oferecida tem o retrato do seu doador e por isso não são só livros, mas vidas. Por exemplo, num conjunto de livros oferecidos por Luísa Costa Gomes, havia várias edições dos clássicos gregos e latinos. A gente, sim a gente, pega num e não larga. Pode-se ler todo ou abrir numa página qualquer e depois passar para outra, ou para a capa, e mesmo que já se tenha lido, há ali uma força inicial, que vem das primeiras palavras da nossa civilização.”

Pacheco Pereira, in “Porque é que ler conta, e muito, para a liberdade”, no Jornal Público, sábado, 9 de Março de 2024.

sábado, 9 de março de 2024

Da Excepção e a Regra de Bertolt Brecht

Vou  contar-vos 
A história de uma viagem. Fazem-na 
Um explorador e dois explorados
Observem com atenção o comportamento desta gente
Estranhem-no ainda que não seja estranho.
Não aceitem, ainda que normal. Ainda que
não o compreendam,  que seja a regra
Desconfiem da mais pequena das ações
Daquela aparentemente insignificante! Tentem perceber                                                                                                                               se é necessário
Sobretudo o que é mais comum
E por favor não achem natural
Aquilo que sempre acontece!
Que seja pois tido por natural
Nestes tempos sombrios de caos sangrento
De desordem ordenada, de arbitrariedade planeada
de humanidade desumanizada, para que 
Nada seja imutável
Tradução de José Vieira Mendes

quarta-feira, 6 de março de 2024

Ilustração de Emese Bándi

TEA
(CamelIa Sinensis)
 


No 34ºAniversário do Jornal Público...

 


      “Todos os homens são diferentes uns dos outros e as mulheres também são, e durante muito tempo isso não aconteceu. Os homens eram diferentes uns dos outros, mas as mulheres eram todas iguaizinhas."




Maria Velho da Costa, terça-feira, 5 de Março de 2024

Falando de Epifenómenos...

     
          
           "Surpresa das eleições de 1985, é um partido que junta sindicalistas e gente da CIP, novembristas de 1975 agora afastados dos comandos militares, desgarrados de todos os partidos, que gera esperança no PCP e confrontos noutros lados de esquerda. Acabou de realizar o seu congresso. Mas ninguém sabe o que quer o PRD."


in Jornal Combate, Novembro de 1986.

domingo, 3 de março de 2024

Música Pré-Eleitoral

Sun Forest - Ghosteen, 2019 - Nick Cave 
Ideologie - Talking with Taxman About Poetry, 2006 - Billy Bragg
Cançoneta do Forte e Fraquinho - A Dúvida Soberana, 2021 - Zeca Medeiros 
Desde las Alturas - Desde las Alturas, 2020 - Guitarricadelfuente 
Mentira - Clandestino, 1998 - Manu Chao 
All My Happiness is Gone - Drag City, 2019 - Purple Mountains 
As Mesmas Coisas - Uma Tarde na Fruteira, 2007 - Júpiter Maçã
Basbaque - Basbaque, 2018 - WE SEA
Alma não Tem Cor - Aos Vivos, 1995 - Chico César 
Tentas Tanto - Sara Cruz, 2015 - Sara Cruz
Valsa Quase depressiva - Exílio, 2004 - Quinteto Tati
The Dolphins Freid Neil, 1966 - Fred Neil

Pano para Mangas (VI)

Tânia Neves dos Santos
 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Março Marçagão...

Mova Dreva de Katerina L´Dokova
Festival Prolíficas 2024
Vamos entrar em Março, terceiro mês do ano, período ainda de muitas dúvidas quanto ao aquecimento corporal e com um provérbio martelado na mente: “Março, marçagão, manhã de Inverno, tarde de Verão e à noite focinho de cão”. Como será o Março deste ano? Que temperaturas e ventos teremos? Será um Março agreste ou sereno no que às oscilações climatéricas se refere?!  Que dias pré-primaveris podemos esperar?
          Eis, assim, que Fevereiro, um mês de pavio muito curto, se despede. E, como foi bom em termos musicais, auspicioso e fugaz, já que recentemente ouvimos a Sara Cruz e a Marianna em cantorias crescentes com vista para o mar e lua cheia, ouvimos estas cantoras açorianas no andar de cima do Centro de Artes Contemporâneas – Arquipélago, ambas por ali à cata e à descoberta do seu lugar no mundo das canções. Duas cantautoras, portanto, convidadas que foram deste festival de mulheres compositoras, criativas e 
prolíficas que encheram o Arquipélago no fim de tarde de sábado para ouvir as suas canções, já que no domingo escutámos a Diana Botelho tocar ao piano peças de Ana Paula Andrade, Ângela da Ponte, Constança Capdeville e Teresa Gentil. Pelo meio, apreciámos a instalação “vibrante” de Ângela da Ponte em exposição e audição, numa composição que contou com a colaboração na sua materialização do mestre António da Ponte. E, por último, o concerto do fecho com Katerina L´Dokova, mostrando as canções do seu álbum Mova Dreva, naquele seu périplo de sonoridades tradicionais da Bielorrússia, misturando roupagens do jazz com outras derivações clássicas e contemporâneas. Um fim de semana, portanto, recheado de sonoridades no feminino que releva com suma importância a existência de dias claros e harmónicos para enfrentar o Inverno derradeiro que se avizinha.

Música Para um Março Pardo e Venturoso

 -Vens ou Ficas - Ombro, 2024 - Malva
-J´Arrive J´Arrive, 1968 - Jacques Brel
-IdeologiaIdeologia, 1988, - Cazuza
-Águas de Março - Elis, 1972 - Elis Regina
-Primavera O Sol Voltou, 2019 - Luís Severo
-Les Anarchistes - Les anarchistes, 1969 - Leo Ferré
-Uma Coisa Linda de Morrer Prelúdio, 2023 - Filipe Furtado Trio
-Our House The Rise & Fall,  1982 - The Madness
-LukaSolitude Standing, 1987 - Suzanne Vega
-Galgar - Sol de Março, 2018 - Medeiros & Lucas
-Exodus - Atlas, 2024 - Três Tristes Tigres

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

O TREMOR Regressa em Março!

O Tremor regressa às ruas e aos palcos da ilha de São Miguel entre os dias 19 e 23 de Março. Entretanto, passaram dez anos após a primeira edição e, nesse sentido, invade-nos por isso uma nostalgia neste momento de data redonda. Uma década depois já não há espaços como a Travessa dos Artistas, na Travessa dos Henriques, o Arco 8, em Santa Clara, ou mesmo a Tascá, na rua de Lisboa. O aluguel das casas no centro de Ponta Delgada regista preços astronómicos e comer uma sandes de atum com sementes de sésamo tornou-se numa espera descomunal e um aparato cénico destinado a hordas de turistas leitores de panfletos turísticos. Saudades, assim, do outro tempo mas felizes pelo regresso anual deste tão apregoado e engordado certame musical que não pára de crescer. 
         Desta feita, o Tremor continua alegremente o seu percurso ascendente e, para já, promete “41 artistas de geografias diversas”, afirmando-se presentemente como o grande evento musical do arquipélago. Continua, assim, a desbravar espaços e arriscar concertos, audições e  parcerias dignos de entusiasmo e atenção. Ao longo dos últimos anos foi criando ramificações e comparência na Ribeira Grande, ocupando a blackbox do Centro de Artes, Arquipélago, a sala principal do Teatro Ribeiragrandense ou o interior do Mercado Municipal para incluir muita da sua programação. Curiosamente, este ano há menos Ribeira Grande e mais Rabo de Peixe, valha-nos isso! Que seja grande a festa como sempre!

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Música para Acordar no Campo

 -Eu Vim de Longe, eu Vou pra Longe ("Chulinha") - Ser Solidário, 1982 - José Mário Branco
-Redondo Vocábulo - Venham Mais Cinco, 1973 - José Afonso
-Mai 86 - Querelle, 1986 - Pop Dell´Arte
-Valsa da Joana e do João - Parainfernália, 2011 - Diabo a Sete
- - Bicho do Diabo, 2013 - Bandarra
-Bellevue - Psicopátria, 1986 -GNR 
-Não Sei o Que é Que Fica - 2 de Abril, 2023 - A Garota Não com Xullaji
-Todo Este Céu - Grande é a Viagem, 1994 - Fausto
-Terra de Ninguém - Macaréu, 2002 - Gaiteiros de Lisboa com Pacman
-Nós Tenemos Muitos NabosQuatrada, 2015 - Galandum Galundaina
-Primeiro Dia - É pra Meninos, 2010 - B Fachada (com Francisca Cortesão)
-Irreal Social - Surrealizar, 1988 - Ban
-Lourenço MarquesVery Sentimental, 1996 - Irmãos Catita

Verso de Elis Regina

 Eu quero uma casa no campo

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

A Primeira Vez

       A primeira vez que nos apaixonamos por uma pessoa é o resultado do fascínio que a sua cara exerce sobre nós, ao invadir-nos toda a vida.

António de Castro Caeiro in "O que é a Filosofia?", Tinta da China, 2023. 

domingo, 11 de fevereiro de 2024

Da Insatisfação

 A insatisfação é o primeiro passo para o progresso de um homem ou de uma nação.

Oscar Wilde, escritor e poeta (16-10-1854/30-11-1900)

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Hotéis decadentes que atendem no Inverno

Chove nas árvores 
nos gatos. Também chove nos telhados. Ninguém
contava com chuva mas
a chuva 
precipitou-se 
pergunto ao mar se vem mau tempo
(os mastros respondem que não
estão obviamente 
a mentir). Onde se esconde o frio quando
não sopra bandeiras? Só
o vento é capaz de dar vida a
folhas mortas
como hotéis decadentes que atendem no Inverno 
a derrota é uma
forma de paz. A margem do rio desenha-se 
com luzes que bruxuleiam 
quando caminhas contigo: é inquietação
o que sentes?
Vê se mudas isso em ti.

João Luís Barreto Guimarães in Movimento, Quetzal, 2020.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Música para Manhãs de Cinza

 -Vuelvo al Sur - La Revancha Del Tango, 2002 - Gothan Project 
-Crua - Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos, 2009 - Otto
-Because The Night - Horses, 1975 - Patty Smith
-I Wanna Be AdoredThe Stone Roses,1989 -The Stone Roses
-Just Like Honey - Psycho Candy, 1985 - The Jesus and Mary Chain
-I Surrender - Dead Bees On A Cake, 1999 - David Sylvian
-Burn it Down - Searching For Young Soul Rebels, 1980 - Dexys Midnight Runners
-E=mc2 - This Is Big Audio Dynamite, 1985 - Big Audio Dynamite
-Viva - Movimentos Perpétuos, 2007 - Sam The Kid
-Miradouro - Not Yet, Piano for Winter Days, 2019 - PMDS 

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Afinal o que importa...

 Aos jovens é frequentemente dito que são uma geração desprovida de cultura. Não há nada mais errado. Nunca existiu uma geração sem cultura e, se alguma assim houvesse, não seria certamente a de quem é jovem nos dias de hoje. Aquilo que há é portas por abrir e pontes por construir. Existem de facto muitos jovens que são alheios a aspectos da cultura que as gerações mais velhas consideram fundamentais tal como existem cada vez mais pessoas envelhecidas que não compreendem nem se relacionam com a cultura dos jovens. A equação funciona para os dois lados e nenhum tem maior culpa. Simplesmente é como é. A vertigem de um mundo digitalizado vai fazendo com que, mais do que nunca, se rompam laços entre quem fica de dentro e que fica de fora, quem vai à frente e quem fica para trás.
No fundo, o que importa é nunca parar de lançar sementes à terra. Aproximar e misturar culturas e promover a permeabilidade da nossa superfície social. Não negar a ninguém o direito à autorrepresentação, mas também não esconder que seria bom que mais pessoas tivessem a capacidade de ler com sentido crítico e ouvir com uma escuta atenta. Todos temos cultura, sim, mas melhor do que isso é sair de casa e ser participante activo na vida cultural de uma comunidade. Todo temos cultura, sim, mas ninguém tem em quantidades tais que se possa dar por satisfeito e fechar portas ao mundo. 
Não liguemos ao que dizem os “mental coaches”. Ter uma zona de conforto não só é óptimo como é fundamental. Há que encontrar e estimar aquilo que nos faz sentir em segurança. Só assim podemos ter alento para experimentar o que está do lado de fora e percorrer os caminhos da inquietação e curiosidade. E, quando esse momento chegar, saibamos abrir as portas e sair por elas.

Martim Sousa Tavares, in Brotéria, Maio/Junho 2023.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Da Desistência

       "Toda a desistência pressupõe uma avaliação definitiva da impossibilidade do encontro com o que amamos"
António de Castro Caeiro, in O que é a Filosofia?, Tinta da China, 2023. 

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Música Para Dias Fevereiros

-The Ribbon - Cavalo, 2013 - Rodrigo Amarante
-Heaven - Fear of Music, 1979 - Talking Heads
-Churchil´s  Boy - At Least for Now, 2014 - Benjamin Clementine
-Dirty Old Town - Rum Sodomy & the Lash, 1986 - The Pogues
-Bachelor Kisses - Spring Hill Fair, 1984 -The Go Betweens
 -Nine Out of Ten -Transa, 1972 - Caetano Veloso
-Serenata - Indivisível, 2015 - Zé Miguel Wisnik
-Teresa da Nazaré - Prelúdio, 2023 - Filipe Furtado Trio
-Bom Partido - Sirumba, 2016 - Linda Martini
-De Cara a la Pared - De Cara a la Pared, 1997 - Lhasa de Sela
-Kom hem - Jag fick feeling, 2009  - Anna Järvinen

Unheimlich

Estranho, 2024
 

sábado, 27 de janeiro de 2024

Ladrões de Bicicletas de Vittorio di Sica

 

Da Arte

       Não há meio mais seguro para fugir do mundo do que a arte, e não há forma mais firme e mais segura de se unir a ele do que a arte.
Johann Goethe 

Música para Dias Invernais

-Crush - Cigarrettes After Sex, 2019 - Cigarrettes After Sex
-Fullmoon - Async, 2017- Ryuichi Sakamoto
-The Gypsy Faerie Queen - Negative Capability, 2019 - Marianne Faithfull com Nick Cave
-Avalanche - Songs for Love and Hate, 1970 - Leonard Cohen
-Wild is the WindStation to Station,1976 - David  Bowie
 -Perfect Day - Transformer, 1973 - Lou Reed
-Pale Blue Eyes - White Light White Heat,1969 - The Velvet Underground
-Mundo do Avesso - Rua das Marimbas, nº7, 2020 - Garota Não
-Winter - Shock of Daylight& Heads and Hearts, 1996 - The Sound
-Cold Swedish Winter - When I Said I Wanted To Be Your Dog, 2004 - Jens Lekman

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A Filosofia: O que é?

        “Naturalmente, a vida põe-nos problemas. Os problemas estorvam a nossa vida. São obstáculos com que nos deparamos. Têm de ser resolvidos ou removidos de qualquer modo. Os gregos chamam «aporias» aos problemas com que temos de lidar, sejam elas de índole quotidiana, sejam eles altamente especializados. Uma aporia é uma dificuldade que cria uma situação difícil que nos deixa em apuros. Pode ser sentida com um carácter de maior ou menor urgência que inste à sua resolução. A filosofia naturalmente existente na nossa vida lida com toda a espécie de aporias e problemas com que nos deparamos. É a ignorância que cria força de pressão para a resolução dos problemas particulares que temos de resolver. Os problemas que se nos põe são de toda a espécie, origem e proveniência.

         Ao surgirem, são dinâmicos. Temos de resolvê-los. É o que acontece com as avarias elétricas em casa, os problemas com a canalização, o barulho, a ligação à Internet, os problemas de índole pessoal, de natureza política e social. Quanto à gravidade com que  nos surgem e a urgência da sua resolução, a própria avaliação pode variar. Chamamos os técnicos para os resolver ou tentamos nós próprios resolver esses problemas. É assim também que o médico faz o diagnóstico para identificar, a partir dos sintomas, a causa de uma doença ou manda fazer análises de rotina, porque as doenças podem esconder-se e não se revelar. O mesmo se passa com as situações de conflito. Nem sempre se declaram logo. As situações polémicas ou de combate trazem o estratego para fazer o diagnóstico e avaliar a situação. Quem avalia a natureza da ocasião oferecida? Como aproveitar a oportunidade para passar de uma situação prejudicial para uma situação vantajosa? Como evitar uma desvantagem? Quando atacar e bater em retirada? Quanto tempo se pode resistir e quando se deve desistir? O mesmo se passa com a nossa afetividade e com o modo como nos comportamos emocional e afetivamente com os outros, aos quais estamos ligados afectiva e profissionalmente. A nossa relação com amigos e família, com as pessoas que amamos e que são protagonistas nas nossas vidas, traz consigo um conjunto de problemas que se nos põe. Obrigam-nos a ter conversas sérias, a resolver crises que a vida cria de forma espontânea e primária. Percebemos o sofrimento que causam certas atitudes e palavras ditas, e também que fazemos sofrer os outros com as nossas atitudes, palavras, actos e omissões. Mas pode ser também a tentativa de resolver coisas simples como o que vai ser o jantar, qual o caminho mais rápido a tomar em determinada direcção, como escapar ao trânsito, etc. Há sempre um diagnóstico da situação que irrompe e temos de resolver porque é um obstáculo, um estorvo, interrompe o curso normal da vida.”

in “O Que é a Filosofia?”, António Castro Caeiro, Edições Tinta da China

domingo, 14 de janeiro de 2024

Da Insularidade

              "Não basta dizer que somos, nem comemorar que somos. A maioria esmagadora dos açorianos não conhece as outras ilhas e, por isso, o seu mundo é um mundo tendencialmente insulado e isolado, apesar de os Açores serem, de todos os que conheço ou já ouvi falar, porventura o arquipélago mais penetrado e influenciado pelo mundo em volta, ou seja, o menos isolado e insulado. É uma contradição estranha, convenhamos."

Francisco Maduro Dias, in Açoriano Oriental, 30 de Dezembro de 2023.

As noites entre dois domingos

O
diário que a avó pedia na tabacaria
durante algum tempo ofereceu talheres 
para coleccionar. Facas 
garfos 
colheres a cada dia entrava outra 
peça de metal somando para um serviço (nem
pedido nem
usado) que há alguns anos daria para um 
útil enxoval. Agora ela é sozinha 
(numa cozinha 
equipada ) frente a
uma mesa despida onde pela tarde folheia 
as novidades da 
crise. «À noite é que custa mais.» Imagino-a 
a recortar a colecção de receitas 
(que a revista vai servindo em fascículos 
ao domingo) e a 
pôr a mesa para dois 
para ela e para a Solidão que a mudou para ali
quando ela ficou sozinha
como um verme que rói casa dentro de 
uma bela maçã 

                      João Luís Barreto Guimarães, in MovimentoQuetzal Editores, 2020.

Dia

Descansa do teu longevo dia 
Intui e prolonga o silêncio
Amanhã escalarás de novo 
a montanha  

sábado, 6 de janeiro de 2024

Botas Cá Fora

Tânia Neves dos Santos

Fernando Matos Silva na Cinemateca

in Público, dia 4 de Janeiro de 2024
       Fernando Matos Silva será alvo de uma retrospectiva do seu trabalho na Cinemateca durante o mês que agora começa. Momento, pois, para vermos obras como "Mal Amado"(1974), e todos os seus  trabalhos condensados num título sugestivo: "Fernando Matos Silva -O Cinema a Fazer Realidade". 
       Durante o mês de Janeiro serão exibidas também as suas curta-metragens realizadas nas décadas de 60 e 70, os seus documentários realizados com a sua Cinequipa ou ainda filmes que colaborou como assistente de realização, tais como "Belarmino", de Fernando Lopes, ou "Mudar de Vida", de Paulo Rocha.
         Fernando Matos Silva nasceu em Vila Viçosa, em 1940, tendo estudado em Londres na década de 60 e regressou a Portugal para assinar filmes publicitários e acompanhar com imagens e documentos fílmicos o processo democrático em curso.
        Recorde-se, pois, a presença do realizador numa sessão do Plano Nacional de Cinema da Escola Secundária da Ribeira Grande, que ocorreu no Arquipélago, Centro de Artes Contemporâneas, em Junho de 2022, onde apresentou o seu documentário "Lúcia e Conceição", filme realizado em 1975 sobre a apanha do chá no lugar da Gorreana, Ribeira Grande, Açores. 

Samuel Beckett

Samuel Beckett seated, and smooking, 1970
Giséle Freund
in Revista Electra nº22