o meu vizinho predilecto
morreu na guerra.
ele gostava de mim porque me acenava
quando dizia o meu nome.
no Verão, o meu vizinho passava, todas as manhãs,
perto da minha porta.
ia a caminho do mar.
quando me disseram que ele morrera na guerra
eu ainda não pensava que podia lá morrer.
eu não me recordo do nome do meu vizinho,
eu queria tanto dá-lo
à saudade que dele tenho.
Emanuel Jorge Botelho, Os Ossos Dentro da Cinza, Averno, 2017.
terça-feira, 15 de janeiro de 2019
A Espera de Rui Zink
"Não era que nos estivessem a tratar mal em São Miguel. A ilha é mais extensa, a mais povoada, e, de certo modo, a que tem mais coisas para ver, mais variedade. Como ainda não era inverosímil que fôssemos estudantes e eu sempre fui bom a aldrabar, comemos quase todos os dias na melhor cantina universitária do mundo. Carne excelente, peixe divino, saladas, ananás à discrição. Um dia, contudo, descobrimos que a comida, afinal, era tão má como em qualquer outra. Apenas estivera em quarentena de luxo por causa de um curso de Verão para filhos açorianos radicados na América. E viva a América.
Não, não fomos mesmo nada mal tratados. Simplesmente, em São Miguel não havia baleias. E eu queria baleias."
Rui Zink, in A Espera, Publicações Europa-América,1998
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