Caro Doutor Mara,
Imagino que esta carta o encontre no auge da sua
popularidade, depois do deplorável espectáculo na televisão pública, onde o seu
nome surgiu ligado à libertinagem e à cultura ”imediática”, na circunstância do
lançamento de um panfleto de qualidade duvidosa escrito por meia dúzia de
papalvos. Imagino então o meu amigo colhendo exuberâncias desta situação
plastificada, rodeado de ananáses e outros ornamentos exóticos, num estado de
graça que o subjuga à tentação do sorriso artificial e dos inevitáveis tiques
burgueses. No fundo, eu sei que gosta desse glamour da televisão e do cinema,
da vernissage e do croquete. Não pretendendo esta carta tecer críticas a seu
respeito, não poderia deixar de lamentar esta situação tendo em conta a nossa
já longa amizade.
Mas não é de
facto este o motivo que me leva a escrever-lhe. Imagine o Doutor Mara que vou
ser homenageado pela Sociedade das Artes e das Letras, pois esta semana fui
surpreendido com o galardão de ”Pior Livro do Ano 2017” com a minha obra ”Compêndio
Geral de Plantas Exóticas”. Neste momento preparo o discurso para a entrega de
prémios, enquanto tiro da caixa o meu fato de asas de grilo, que já não via a
luz do dia desde que o enverguei categoricamente nas últimas Conferências da
Fajã perante a estupefacção geral dos presentes. Conto dizer apenas algumas
palavras de agradecimento, ir ao beberete e de seguida levantar o cheque. Julgo
que este acontecimento exponenciará as vendas do meu livro, pelo que este natal
conto alugar a vivenda inteira em Penedono, e não apenas o quarto das traseiras
com vista para a serra. Como forma de agradecimento pelos importantes
contributos que o Doutor Mara foi emprestando ao meu livro, envio-lhe por
correio um exemplar que poderá pagar a contra-reembolso. São 25 euros em
numerário, Doutor. Não precisa de me agradecer.
Acabo esta breve
carta com um semblante de desconfiança repentina relativamente a um facto que
gostaria de ver esclarecido por seu intermédio. Em Fevereiro deste ano,
escreveu-me o meu amigo uma carta, em que referia ter ouvido um rumor de que eu
iria merecer a distinção de melhor obra de 2017. O meu caro amigo percebeu
quase tudo bem. De ”melhor” para ”pior” é apenas um pormenor de somenos. O que
me intriga e me provoca um franzir de sobrolho é o seguinte: onde obteve essa
informação, Doutor Mara?
Com apreensão e estima,
Janeiro Alves