“Cafarnaum”, que significa caos ou lugar de turbulência, é
um filme árabe de origem libanesa, que venceu o Prémio do Júri do Festival de
Cannes, em 2018. Nadine Labaki escreveu e realizou este filme, tendo, também ela, um pequeno papel enquanto actriz. Este é uma história de uma criança de um bairro pobre de Beirut que decide
processar os pais por ter nascido, melhor, pelo mau viver e maus tratos infligidos
por estes. Não é, por isso, uma história banal ou mesmo espectacular, o facto de ser tão crua e realista é
revelador de que há ali qualquer coisa muito próxima e tocante das personagens ali caracterizadas.
A realizadora filma o seu Zein do início até ao fim do
filme, as suas peripécias e anseios, como se estivesse a escalar o Monte Olimpo. Ela não larga o seu pequeno actor, plano atrás de plano, aproveitando a sua destreza e diálogo fácil junto da câmara. Abas Kiarostami dizia que o seu
cinema pretendia ser uma visão do mundo através do olhar das crianças. Nadine
Labaki parece ter escutado as suas sábias palavras, seguindo este lembrete da melhor
forma possível, ou então reviu muitas vezes filmes como "Pixote", de Hector Babenco, ou ainda "Los Olvidados", de Luís Buñuel. É que "Zein" parece não representar e, por isso, é por demais convincente e autêntico, cativando e prendendo o espectador num turbilhão de emoções, daí que o resultado só poderia ser belo e pungente.
Esta película conta ainda com a banda sonora de Khaled Mouzanar, num registo de enorme arrebatamento e delicadeza e tal, como já foi anteriormente referido, com um "actor" irrepreensível e magnetizante - Zain Al Rafeea. Caso para perguntar: quem pode ficar indiferente este retrato cruel de uma infância perturbadora
e dolorosa? O filme, no entanto, não pode ser visto como um dramalhão, sendo que as cenas passadas no parque de diversões ou no carrossel são pura magia cinematográfica, para além de uma fotografia que nos convida a intuir os cheiros, lugares e vivências ali
representados.
Uma última nota para referir que, aquando da apresentação do filme em Cannes,
o público presente prestou-se a uma ovação de quinze minutos na presença da realizadora, produtor e do seu actor de doze anos, de origem síria, que vivia à altura
em Beirut, mudando-se assim, à semelhança do que acontece no filme, não para a Suécia, mas sim para a
Noruega, onde actualmente já vai à escola. Pura premonição?