Caro Dr. Mara,
Antes de ir directo
ao assunto, deveria por precaução certificar-me que o meu amigo goza de uma
saúde impenetrável neste mês de Dezembro, e que consegue focar ao longe sem
necessitar de lentes, metaforicamente falando. Não sendo possível, parto do
princípio que mesmo não estando no auge das suas faculdades físicas e
intelectuais, também poderia estar pior, estando portanto reunidas condições
para a boa recepção do conteúdo desta carta.
Neste mês que
capitula o ano de 2016, que teve tanto de bom como de devastador, à semelhança
de todos os outros com excepção de alguns, ando na rua a observar as pessoas e
a ouvir as suas conversas, e à noite ligo a televisão generalista no horário
nobre, das salsichas. É uma prática ancestral dos grandes pensadores, que assim
recolhem como que “fruta fresca” para as suas teorias. Aprende-se muito na
observação das massas ondulantes à bolina dos ventos natalícios, como sabe.
Hoje trago-lhe algumas actualidades da língua, da melhor língua nacional – a
língua portuguesa.
É sabido que a
nossa língua já conheceu dias de glória, mas actualmente é desdenhada pela
maioria dos nossos conterrâneos. E que sorte é a dum povo que não sabe usar a
sua própria língua? “Quando o pensamento é pobre e a língua não ajuda, mais
vale uma pessoa ficar muda” – Um provérbio que inventei ontem à noite, e que se
tudo correr dentro da normalidade, um dia entrará para o “Grande Livro dos
Provérbios”.
Para além de se
falar e escrever genericamente mal, surgem por vezes fenómenos populares ou
modas temporárias muito curiosas. Este ano há algumas que registei no meu
caderno.
A primeira é o uso
excessivo da palavra “brutal”. Quase tudo é brutal. Um gajo bêbado a vomitar na
estrada é brutal, mas a mulher vistosa a passar na rua também é brutal. Está um
dia brutal. A miúda a cantar é brutal. Esta cena é brutal. Que cena brutal! O
que dizer então de um assassinato violento, de um acidente em cadeia, de um
massacre de guerra, da imponência das montanhas e desfiladeiros, quando uma
simples “cena” quotidiana é brutal? O que dizer da expressão “atirai-vos independentes prá sublime
brutalidade da vida” do Ultimatum
Futurista de Almada? Actualizando a expressão aos nossos dias, teríamos
provavelmente: “saiam da vossa zona de conforto”. Brutal!
A segunda moda,
algo embaraçante, é o uso da expressão “top”, um estrangeirismo foleiro que
segundo algumas fontes nasceu em ginásios lisboetas onde se pratica Cross Fit,
Body Jump, Stretching e Core. O que não é brutal, é top, pois convencionou-se a
supressão de alternativas. O cúmulo da expressão é dizer-se “este topo de gama
é mesmo top”.
Na escrita,
assistimos a uma nova tendência de pontuação – os consecutivos pontos de
exclamação!!!!! Uma cena brutal cheia de pontos de exclamação é algo do outro
mundo. É top!!!
Por sua vez, a comunicação
social também marca a sua diferença ao inovar na construção frásica. A
tendência 2016 e com provável arrastamento a 2017 é começar uma frase com o
verbo: “Dizer também que Mário Soares já respira outra vez”; “Dizer ainda que o
tempo se manterá cinzento e encoberto, tal como o meu cérebro de rato”; “Dizer
por fim que copio as tendências dos meus colegas que inventam formas parvas de
falar porque sou um jornalista top, apesar de desprovido de pensamento
crítico”. Doutor Mara, isto é Brutal!!! Mas brutal de bruto, de abrutalhado, de
brutamontes se quiser.
E como a carta já
vai longa e tenho de ir ali para o Natal, dizer por fim ao doutor Mara que lhe
desejo umas festas brutais, cheias de presentes top!!!!!