Medeiros/Lucas - Ilustração de Mário Roberto. |
No
dia em que saiu um tema single do seu segundo disco, “Terra do Corpo”,
intitulado “Sede”, com letra do escritor João Pedro Pedro Porto, a dupla
Medeiros/Lucas inaugurou de forma surpreendente a edição do Tremor de 2016, com
os seus já designados “concerto na
estufa”. O lugar escolhido pela organização para dar o mote à terceira edição
do festival foi o Oficina-Museu do Trabalho, em Capelas, contando com uma
centena de pessoas na assistência. A Oficina-Museu do Trabalho é uma singular
propriedade particular, uma casa típica do mundo de sonhos, capricho de alguém
que pretendeu fazer do passado espaço de nostalgia e múltiplos encantos ainda
que haja necessidade desse sítio vir a ser mais habitado, vivível e com marca de
presente. Ali estão "expostas" uma livraria, tipografia, sapateiro, loja de
fazendas, barbeiro, mercearia, ourivesaria, à semelhança da recriação de uma
pequena rua dos ofícios em miniatura.
Foi nesse ambiente peculiar
que a dupla Medeiros/Lucas escolheu a “Canção do Mar Aberto”, um tema navegante e derivante,
para encetar mais uma viagem em pleno mar alto, embalando e encantando uma
plateia oriunda de todo o país, ansiosa por música bem perto do mar. Esta é,
sem dúvida, uma canção que impõe consideração e aqui a consideração não é só
bonita como também é intensa. Pedro Lucas continuou a viajar com a sua guitarra
baloiçante, em jeito Marc Ribot delicodoce e com laivos de trovador,
aproveitando para cantar o “Asas” na companhia do Carlinhos Medeiros. Uma
canção que preenche na plenitude o copo vazio desse tempo ausente desde a saída
de “Mar Aberto”. Começava assim de forma aguçada a curiosidade para o novo “Terra
do Corpo”, que será apresentado no início do mês de Abril. Seguiu-se “Sina
Saudade” e depois “Marinheiro”, um
tema de Cervantes que Medeiros aproveita para reforçar as vagas revoltas dos
mares atlânticos e as paixões portuárias e ainda o enérgico e encadeado “Fado do Regresso”.
Ouviram-se ainda os temas novos “Sístole” e o curioso tema “Corpo Vazio”, num
jogo repetitivo de vozes e guitarra. E, claro, a finalização do espectáculo caberia
ao já emocionante “O Navio”, cantado sob a forma de hino açórico-universal que enaltece o cais enquanto ponto de todas as partidas e chegadas e que presume “vivas” de forma contagiante.
Para
concerto inaugural deste Tremor de 2016, a intensidade e o brilho desta dupla
não poderia ter sido melhor, tendo o alinhamento musical destes dois músicos
açorianos durado apenas trinta e cinco minutos, com direito ao encore “Rema”,
essa pequena pérola do cancioneiro tradicional, revisto aqui com paixão e
brilhantismo. Ainda que só tivéssemos tido a oportunidade de ouvir quatro temas,
“Terra do Corpo” promete ser um disco intenso e musicalmente bem composto,
preenchido por diversos instrumentos em pano de fundo, contando com dignos convidados, que vai desde o contrabaixista Carlos Barreto, aos
guitarristas Tó Trips e Filho da Mãe, os cantores Selma Uamusse e António
Costa, vocalista dos Ermo, não esquecendo nem desmerecendo, evidentemente, os restantes elementos
do grupo: Ian Carlo Mendonza e Augusto Macedo.
Por
fim, uma nota para o público que esteve bem atento e reagiu com entusiasmo às novas
investidas da dupla. Veremos agora como a banda se portará em palco após a
digressão dos concertos que se seguem. Enquanto nota final, conviria lembrar
que o primeiro concerto desta dupla, organizado pelo produtor João da Ponte,
foi na Tascà na rua de Lisboa, em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel. O escriba
deste texto não pôde assistir mas quem lá esteve confirma que foi um concerto
intimo para duas dezenas de amigos, tendo servido para o despertar e alavancar este apaixonante projecto, que assim ficou marcado pela primeira audição pública de
temas que viriam mais tarde a fazer parte do disco “Mar Aberto”.