quarta-feira, 16 de março de 2016

Tremor: O Regresso dos Príncipes da Atlântida

Medeiros/Lucas - Ilustração de Mário Roberto.
No dia em que saiu um tema single do seu segundo disco, “Terra do Corpo”, intitulado “Sede”, com letra do escritor João Pedro Pedro Porto, a dupla Medeiros/Lucas inaugurou de forma surpreendente a edição do Tremor de 2016, com os seus já designados “concerto na estufa”. O lugar escolhido pela organização para dar o mote à terceira edição do festival foi o Oficina-Museu do Trabalho, em Capelas, contando com uma centena de pessoas na assistência. A Oficina-Museu do Trabalho é uma singular propriedade particular, uma casa típica do mundo de sonhos, capricho de alguém que pretendeu fazer do passado espaço de nostalgia e múltiplos encantos ainda que haja necessidade desse sítio vir a ser mais habitado, vivível e com marca de presente. Ali estão "expostas" uma livraria, tipografia, sapateiro, loja de fazendas, barbeiro, mercearia, ourivesaria, à semelhança da recriação de uma pequena rua dos ofícios em miniatura.
         Foi nesse ambiente peculiar que a dupla Medeiros/Lucas escolheu a “Canção do Mar Aberto”, um tema navegante e derivante, para encetar mais uma viagem em pleno mar alto, embalando e encantando uma plateia oriunda de todo o país, ansiosa por música bem perto do mar. Esta é, sem dúvida, uma canção que impõe consideração e aqui a consideração não é só bonita como também é intensa. Pedro Lucas continuou a viajar com a sua guitarra baloiçante, em jeito Marc Ribot delicodoce e com laivos de trovador, aproveitando para cantar o “Asas” na companhia do Carlinhos Medeiros. Uma canção que preenche na plenitude o copo vazio desse tempo ausente desde a saída de “Mar Aberto”. Começava assim de forma aguçada a curiosidade para o novo “Terra do Corpo”, que será apresentado no início do mês de Abril. Seguiu-se “Sina Saudade” e depois “Marinheiro”, um tema de Cervantes que Medeiros aproveita para reforçar as vagas revoltas dos mares atlânticos e as paixões portuárias e ainda o enérgico e encadeado “Fado do Regresso”. Ouviram-se ainda os temas novos “Sístole” e o curioso tema “Corpo Vazio”, num jogo repetitivo de vozes e guitarra. E, claro, a finalização do espectáculo caberia ao já emocionante “O Navio”, cantado sob a forma de hino açórico-universal que enaltece o cais enquanto ponto de todas as partidas e chegadas e que presume “vivas” de forma contagiante.
Para concerto inaugural deste Tremor de 2016, a intensidade e o brilho desta dupla não poderia ter sido melhor, tendo o alinhamento musical destes dois músicos açorianos durado apenas trinta e cinco minutos, com direito ao encore “Rema”, essa pequena pérola do cancioneiro tradicional, revisto aqui com paixão e brilhantismo. Ainda que só tivéssemos tido a oportunidade de ouvir quatro temas, “Terra do Corpo” promete ser um disco intenso e musicalmente bem composto, preenchido por diversos instrumentos em pano de fundo, contando com dignos convidados, que vai desde o contrabaixista Carlos Barreto, aos guitarristas Tó Trips e Filho da Mãe, os cantores Selma Uamusse e António Costa, vocalista dos Ermo, não esquecendo nem desmerecendo, evidentemente, os restantes elementos do grupo: Ian Carlo Mendonza e Augusto Macedo.
Por fim, uma nota para o público que esteve bem atento e reagiu com entusiasmo às novas investidas da dupla. Veremos agora como a banda se portará em palco após a digressão dos concertos que se seguem. Enquanto nota final, conviria lembrar que o primeiro concerto desta dupla, organizado pelo produtor João da Ponte, foi na Tascà na rua de Lisboa, em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel. O escriba deste texto não pôde assistir mas quem lá esteve confirma que foi um concerto intimo para duas dezenas de amigos, tendo servido para o despertar e alavancar este apaixonante projecto, que assim ficou marcado pela primeira audição pública de temas que viriam mais tarde a fazer parte do disco “Mar Aberto”.

A Festa Começou!


Provérbio

 “Sardinha em Março não a comas nem a dês ao gato.”