segunda-feira, 29 de abril de 2013

Terra de músicos ou ilha musical?

Fotografia de Tiago Rodrigues

         O sopro vital do mundo, a alma que faz correr o sangue, estava desinteressadamente caótico e inquieto naquela noite de fim-de-semana, daí o inevitável desassossego do dia seguinte. Ouçamos e falemos, portanto, de música, a imperecível música, apesar do cansaço de que a música espalhada por todo o lado possa ser sinal, esta continua a ecoar pelos quatro cantos da cidade, em todos os dias da semana, rodopiando a nossa própria juventude tão pouco académica, num cerimonial antigo devotado aos ritmos e aos sons. Houve uma tarde que foi o Grândola do Zeca Afonso, a música senha para um futuro diferente, num almoço sindicalista evocativo e memorial de uma bela ideia de liberdade e de sentido colectivo. Depois, à noite, a Adriana Calcanhoto, a cantora de Porto Alegre, cidade fundada por antigos açorianos, que tacteou suavemente as cordas da guitarra, elevando a língua portuguesa ao alto da memória, consumando entretanto a dolência nocturna, anestesiando um centro congressos apinhado de casais e ouvintes curiosos. Nessa noite, em conversa com um taxista, vem a confirmação que a única roulotte de comida fica em labiríntica parte alta da cidade com festa estudantil a decorrer. Tempo, claro, para dissipar a ossatura pelo rock dos The Doit, em versões bem tocadas com energia e sentido de alinhamento. “A música põe-me a olhar para fora quando o que é preciso é olhar para dentro” terá pensado aqui o escriba que, muito embora a interrogação, prosseguisse na sua caminhada pela ilha carregada de bandas sonoras. Entra-se deste modo no dia subsequente com a promessa de assistir a mais uma noite de músicos e músicas em debate numa mostra denominada + Jazz, desta feita no Auditório do Ramo Grande, com Daniela Silveira enquanto anfitriã, mostra ilustrativa do Jazz enquanto género musical com raízes antigas e alicerçadas pela ilha por onde passaram alemães, ingleses e franceses e, obviamente, americanos. Ouviu-se e aprendeu-se muito com o fundador do Festival AngraJazz, José Pinto Ribeiro, em discurso directo, a história do Jazz na Ilha Terceira, o seu percurso e modus operandi na organização de um festival com nome e pergaminhos. Autor de um programa semanal – existe há mais de vinte e um anos, é feito por amor e carolice - intitulado “Os Sabores do Jazz”. Este é a prova e razão de uma vida de dedicação e persistência nas andanças da divulgação deste género musical. É muito curioso saber que neste festival já tocaram Betty Carter, Frank Morgan (concerto histórico, afirma!), Kenny Barron, Mark Murphy, Bernardo Sassetti e, surpresa muito grande, Esbjorn Svensson Trio, agrupamento do pianista que amava o mar e que mergulhou de imediato na Silveira aquando da sua chegada à Ilha Terceira. Lamentável como sempre, é o próprio lamento, ou porque alguém é esquecido, ou por que julgamos merecer muito mais do que aquilo que pensamos, ou por que gostaríamos que estivesse mais gente a assistir ou que o desencanto instalado  se apodere de nós, para além da ausência de alguém em particular e de não se poder partilhar com elas tantas outras estórias musicais e demais vivências. O que fazer? Talvez responder à pergunta: se queremos que o jazz perca “a gravata e o convite” por que é que o encerramos em grandes auditórios, ou lugares menos próprios para este ou, pior, em sessões de croquete e vernissage? Posteriormente à conversa-debate, estava agendada um ensaio aberto ao público do agrupamento Bruno Walter and Friends que, pela qualidade dos músicos e da interpretação musical, só teve a ganhar em força e expressividade para o concerto do dia seguinte. No que ainda restou dessa noite, soube-se que Kit tocou no Poliangra e ainda houve tempo para assistir aos electrizantes R.A.M, na Semana Académica da UAç que, infelizmente, não contou com o Jorge Palma, por razões que só o mau tempo e os aviões explicam. É que a alma assim não sabe se aguenta, pensou novamente este escriba, perante tanta música e tantos músicos, pois a alma são os ouvidos à escuta e os nossos ossos sólidos  percorrem e vagueiam a ilha em deriva musical,  esperemos que sempre dotados de energia e mobilidade por mais alguns anos de azul ferrete e verde campestre com os sentidos bem despertos.