"Ando há uma semana com um cano a pingar na garagem. E ainda não consegui encontrar um canalizador com disponibilidade para vir aqui. Mas pobre do filho que diga aos pais que vai tirar um curso profissional de canalizador e que dispensa bem seguir para a universidade. É como se tivéssemos dividido a sociedade em castas consoante o grau académico e a profissão de cada um. E isso é deprimente a todos os níveis. Há sabedoria em todos nós. Há dignidade em cada um. Ninguém é melhor do que ninguém pelo apelido que carrega ou pelo local de nascimento. Ninguém passa à frente de ninguém porque emoldurou três diplomas na parede do escritório.
Mas a gente não se consegue livrar disto. Do "bom dia, sotor", do "deseja um cafezinho, sotor?", do "ponham lá o sotor num quarto individual". Não conseguimos arrancar da pele este servilismo que anos de miséria e ditadura nos tatuaram. E nem nos apercebemos de que somos risíveis nas nossas formalidades e nos nossos doutorismos. Estamos cegos, digo eu. É cultural, dirão outros. O respeitinho é muito bonito dirão os que nunca conseguiram desprender-te do sentimento de inferioridade ou, no outro extremo, os que acreditam que "dantes" é que era.
Sabem, cada vez mais acho que somos um povo tendencialmente bom. Pena que também sejamos tendencialmente ridículos."
Mas a gente não se consegue livrar disto. Do "bom dia, sotor", do "deseja um cafezinho, sotor?", do "ponham lá o sotor num quarto individual". Não conseguimos arrancar da pele este servilismo que anos de miséria e ditadura nos tatuaram. E nem nos apercebemos de que somos risíveis nas nossas formalidades e nos nossos doutorismos. Estamos cegos, digo eu. É cultural, dirão outros. O respeitinho é muito bonito dirão os que nunca conseguiram desprender-te do sentimento de inferioridade ou, no outro extremo, os que acreditam que "dantes" é que era.
Sabem, cada vez mais acho que somos um povo tendencialmente bom. Pena que também sejamos tendencialmente ridículos."
in Jornal Público, Carmen Garcia, P2, 30 de Janeiro de 2022.