quarta-feira, 14 de abril de 2021

Recital de Poesia na Biblioteca Pública da Horta

 


Missiva para Janeiro Alves (tendo como pano de fundo um campo de margaridas)

                                                                                    Algures a meio do Atlântico, Abril de 2021

Caro Janeiro Alves,

 Espero que o amigo Janeiro se encontre bem de saúde! É Primavera e, por isso, caminhe-se na senda do seu vigor e potencial adquirido, rumo à sua máxima expansão! Em breve vaguearão por aqui jangadas de cagarros e faço questão de me aproximar da orla marítima só para os ouvir “falar”. Faz agora um ano em que sucumbi à luz elétrica e à carência de comunicações com o exterior, tendo valido os jovens cagarros à noitinha para me confortar da ausência humana.

A última notícia que tive sua, fiquei atónito! Uma pessoa credível contou-me que o meu amigo tinha ido passar o ano a Foz Côa numa autocaravana e que aí tinha permanecido.  Fiquei, assim, a saber que dormitou junto das gravuras rupestres, que bebeu água pura e fresca, que perambulou e pintou ao pôr do sol, para além de ter passado as noites acompanhado pelas castas Touriga Franca, Tinta Roriz e Touriga Nacional.  Deve ter sido um banho de cultura adâmica. Imagino, pois, o meu amigo a respirar todo o esplendor da arte ancestral na tentativa de encontrar inspiração para esse vanguardismo primitivo, que agora nos apresenta em retrospectiva na ilha azul.  

Curiosamente, roda neste momento no meu gira-discos, um álbum novo - “Voz de Veludo”, da cantora italiana “Áugure”, a adivinhadora, uma homenagem aos que ditavam presságios. A capa tem um V maiúsculo sobre um desenho de uma escala de índole económica. Enquanto o disco vai tocando, fixo-me no seu tema mais romântico e pungente – Apartar – “Estou afastada e solitária/ Não é desespero ou calvário/ Lento voo, fogo fátuo/ Vou daqui rumo ao espaço/”. Penso, por instantes, em todos os momentos vividos, nas dores consumidas e extintas, agora que vamos lentamente abrindo os olhos, espreitando os corpos que se movimentam em redor, perdidos que estivemos nesse labirinto de memórias e afastamento.    

Outra novidade é o facto de Miriam ter voltado a viver na cave do solar, pedindo-me muitas vezes para controlar a minha intensidade vocal evidenciada na excitação matinal, sobretudo desde que me retiraram a saudável esbórnia de outrora. Miriam está linda e contou-me, entretanto, querer voltar a passear comigo junto destes campos ornados de margaridas. É bonito, não é?

                                                                                                   Com superlativa estima,

 Doutor Mara