sábado, 19 de abril de 2014

Dois Poemas sugeridos por Tiago P. Rodrigues.

Quantos mares extasiados
lentos e sussurrantes ardem
na lagoa do meu peito a pedir água
para a sede vulcânica dos teus olhos!
A alma errante pelos becos da ribeira
alonga-se na mansidão do fogo
a cada fluir da névoa
repartida na nostalgia de uma saudade
ou na certeza das aluviões tranquilas
a mergulhar no crepúsculo em agonia.
Uma sucessão de sonos encalhados na furna
resiste ao encalhar das ondas e vai
modulando o ilhéu migrador
dos últimos devaneios calados
na memória.

Américo Teixeira Moreira

RECUSA

 a Alberto de Serpa
 Serei sempre um poeta provinciano.
 Um poeta triste, esquivo,
Com medo de apertar a mão aos poetas da cidade
E de me sentar com eles
À mesa do Café.
Não falarei de minha poesia.
Não rimarei minha angústia
Com a solenidade de suas questões.
A poesia não está na discussão.
A poesia não está no não estar com este ou com aquele.
A poesia está em matar esta morte
Que anda dentro de nós
Para que a vida renasça.
A poesia está em gritar do alto dos arranha-céus
E das planuras e concavidades sertanejas
Que o mundo vai acabar
Que o mundo está maduro para o sangue
Que o mundo perverso e caótico vai vagar.
 Serei sempre um poeta provinciano.
Um poeta esquivo defendendo sua solidão
De todos os truques de todos os ódios de todas as invejas.
Os poetas rendilheiros não perdoarão.
Os poetas vaidosos vão barafustar
E exigir a expulsão imediata
Do último vendilhão do Templo,
Em nome da religião,
Em nome da estética,
Em nome da dignidade amarfanhada,
Em nome da polícia se preciso for.
Serei sempre um poeta provinciano.
Um poeta esquivo anunciando a verdade
A repassar de gelo os corações narcotizados.
Os poetas rendilheiros não perdoarão.
Os poetas vaidosos vão barafustar,
Porque o fim do mundo está próximo.
Os poetas rendilheiros e os poetas vaidosos estão maduros para o sangue.
Já estão cevados para a morte.
Eles esquecem (perdão, não é blasfémia!) a sentença do Cristo:
— «Destruí este Templo e eu o reedificarei em três dias.»

Vasco Miranda (de A Vida Suspensa, 1953)