Caminhar pelas ruas antigas de Angra do Heroísmo é descobrir-lhe o peso e as virtudes arquitectónicas do passado, passear e ver cada canto e espaço iluminado, ainda que à noite estes passeios estejam desertos e as estradas ocupadas por carros estacionados. Mesmo assim, com o passado espelhado nas fachadas, varandas e janelas, nem um único sinal que seja, um rasto possível ou imaginário da vivência da família ou da vida de José Júlio de Souza Pinto, pintor naturalista, angrense de nascimento, de quem José Augusto França disse ser "o mais brilhante dos paisagistas". Leio também que começou a desenhar aos quatro anos de idade, por influência da mãe Anna de Souza Loureiro, também ela pintora, e que este ficava com o coração despedaçado sempre que lhe tiravam a lousa com os seus desenhos. É destas árvores com troncos que continuam a folha da vida por gerações a fio que impressionam e nos querem fazer acreditar na transmissão do "gene das artes". E, entretanto, em deambulações pelo jardim do Duque no centro da cidade - recentemente em livro de imagens com "humor e ternura" pelo fotógrafo Paulo Garrão - que imagino essa mesma continuação da tradição de pintores e artesãos da palavra ao longo dos tempos. O mesmo espanto sentido ao saber que o poeta angrense Rui Duarte Rodrigues (autor do livro com o título dos títulos - "Os Meninos Morrem dentro dos Homens", 1970) deixou descendência literária em Tiago Prenda Rodrigues, autor de um promissor livro de poemas com o singelo nome de "1"(2001, edições teatrinho, espaço de criação), estando este acessível em estantes de cafés da vida angrense, como é o caso do Dona Amélia. Em suma, as mãos percorrem esse trabalho de asa que é a transmissão dessa correia do passado até ao presente e a partir dali vivenciá-lo, irradiá-lo de energia e amplitude, mantendo a chama da vida acesa e contagiante.