quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Uma Noite de Poesia na Tascá

      Talvez em Copenhaga ou em Aarhus isto também fosse possível, não se sabe. O casal de dinamarqueses pensa na eventualidade e no interesse pelas palavras, das rimas e dos versos nos tempos que correm. E riem-se com o nome Bodega, nomenclatura usada no país deles para descrever espaços como este. E quem sabe, ou talvez seja mesmo impossível, apelidá-lo com esse título neste nosso país do sul. A conversa gira, portanto, à volta do interesse dos nossos contemporâneos pelos versos, metáforas, alegorias, repetições e, talvez por isso, termine pousada sobre a oferta cultural nas grandes cidades e na periferia. No entanto, por aqui vai-se afiançando que não, há quem diga mesmo que a poesia anda à solta pelos territórios mais improváveis da  ilha, comentam que é partilhada por instantes nos quartos, nos cafés e nas ruas, dita por cabeças mais ou menos pensantes, algumas bastante tensas, outras esclarecidas e até mesmo emotivas. Há mesmo um Encontro Internacional de Poesia a decorrer esta semana. Desta feita, nesta noite de Outubro, a poesia concentra-se sobre as mesas de madeira deste pequeno estabelecimento denominado de Tascá, contida no interior dos livros espalhados ou amontoados, sendo dita e redita enquanto se bebem copos de vinho tinto ou cerveja, por vezes em bancos corridos  ou com os corpos encostados às portas abertas, porventura, para soltar o ar do tempo. Há também pausas para saber da vida, saborear as estrelas cadentes e o luar, espreitar o movimento dos carros e cantar loas às madrugadas vividas em território ilhéu. Tudo isto se passa numa rua com nome de antiga capital do reino, entretanto agora democracia. Uma coisa é certa: precisamos de poesia como pão para boca e por isso nem sempre à noite todos os gatos são pardos.

Nota: o registo fotográfico pertence ao Luís Andrade. 

Aranhas e Visigodos


Josué: Papá, por que é que os cães e judeus não podem entrar naquela loja?
Guido: Porque os judeus e os cães não querem. Todos devem poder fazer aquilo que lhes parece melhor, não te parece? Ali à frente há uma loja, não há? Ali, por exemplo, não é permitida a entrada a espanhóis e cavalos e... mais à frente, há também um farmacêutico, não há? Ontem, estava eu com um amigo meu, um chinês, que por acaso tem um canguru e eu perguntei: "Podemos entrar?", e alguém lá de dentro respondeu: "Não, aqui chineses e cangurus não entram". Sabes, fiquei bastante desagradado com toda aquela situação. O que é que eu posso fazer?
Josué: Mas na nossa livraria toda a gente pode entrar...
Guido: Não, a partir de amanhã também nós iremos escrever um letreiro para colocar na porta. Quem é que tu consideras enfadonho?
Josué: As aranhas. E para o papá?
Guido: Para mim...os visigodos! Então amanhã iremos escrever um letreiro com o seguinte: "Proibida a entrada a aranhas e visigodos!". É quase certo  que o visigodos irão quebrar esse letreiro. Por isso, chega!

 in “A Vida é Bela”, filme de Roberto Begnini, 1998 (Tradução Livre)