Douta Melancolia:Este filme circulou bastante pelo arquipélago
dos Açores. Qual foi a recepção das pessoas ao teu "Baleias e Baleeiros”?
Luís Bicudo: Infelizmente,
e por falta de recursos, o filme não circulou tanto quanto eu queria. Teve
estreia em New Bedford e Lisboa; e nos Açores passou pelas Lajes do Pico,
Horta, Angra do Heroísmo e Ponta Delgada. A minha vontade é fazer com que o
filme seja visto em todas as ilhas dos Açores, e estou a trabalhar para esse
fim. Como era de esperar, as reações mais exuberantes deram-se nas ilhas do
Faial e do Pico, com casas cheias e muita animação, não só porque foram as
ilhas onde o projeto foi filmado, mas principalmente por serem as ilhas onde a
cultura baleeira está mais viva e presente, logo, é natural que as pessoas
estejam mais abertas a este tema. No Museu dos Baleeiros, no Pico, a sessão foi
bastante singular. O auditório estava cheio e havia muitas pessoas sentadas no
chão, que não deixaram que as dores nas costas perturbassem o visionamento do
filme. Mas o mais engraçado foi a forma como este público o recebeu: ao mesmo
tempo que eu partilhava o filme com eles, eles comentavam entre si as histórias
dos baleeiros e reagiam à histeria das regatas, sem nunca perderem o fio à
meada e sem perturbarem o resto da sala. Foi uma experiência diferente mas
muito gratificante, sinto que naquele dia dei um “presente” àquelas pessoas.
Com isto, não quero dizer que não é importante passar o filme no resto do
arquipélago, muito pelo contrário. A baleação foi transversal às 9 ilhas e é
importante recordar esses momentos, que foram, e de certa forma ainda são,
aspectos culturais identitários da região. Como sabemos, apesar das diferenças
culturais e sociais entre as várias ilhas, - como dizia Rui Veloso - muito mais
é o que nos une do que aquilo que nos separa.
DM: Quem assiste ao teu filme conclui que
soubeste reunir a família da baleação açoriana em torno deste tesouro oral e
documental, ainda que se sente que não quiseste enquadrá-lo numa perspetiva
teórica, histórica ou antropológica. Tens noção, dados os pontos de vista
contraditórios presentes no filme, que fizeste um filme pouco académico ou
científico, se assim o quiseres?
LB:É
possível que o meu trabalho seja enquadrado antropologicamente a seu tempo,
pois os relatos valem por si só e os baleeiros estão mencionados com os seus
nomes, locais e datas de nascimento nos créditos finais. Mas eu não sou um
cientista, eu procuro o contraditório. A multiplicidade de pontos de vista é
muito mais enriquecedora do que um filme que tenta provar seja o que for. Neste
filme não existe nada a provar, nem ninguém a quem é preciso convencer. O que
se procurou na montagem, foi usar os relatos que transmitem mais emoção, não a
emoção no sentido sensacionalista do termo, mas no sentido em que nos aproxima
mais de cada pessoa filmada e se dá a possibilidade de responder de uma forma
sensorial à questão: o que é que os define de uma forma mais profunda? Nenhum
cientista consegue responder a esta questão, porque não existe uma resposta.
Existirá uma empatia humana? Uma percepção cinematográfica? Eu não sei, nem
tenho capacidade de me expressar em palavras sobre isto, mas que sinto alguma
coisa de muito profundo quando oiço e vejo o Manuel de Simas a contar daquela
vez que trancou e matou uma baleia de 21 metros, lá isso sinto.