Daqui: Livraria Almedina. |
"Tem de se pôr a mexer. O voo é ao meio-dia e não pode contar com Donika para a levar ao aeroporto. Não depois da discussão de há instantes. Quer entrar e sair de casa sem se fazer notar, sem provocar mais abalos. Tem sorte. Donika voltou a dormir, com recurso ao habitual comprimido. Lara pega na pequena mala pronta desde a véspera, mete-se num eléctrico até ao Hauptbahnhof e aí apanha um comboio para o aeroporto. Tudo rápido, inócuo, automático. Do check-in ao controlo de segurança, do drop off de bagagem ao embarque, o contacto humano reduz-se ao binómio Grüezi - Danke. Um alívio. Uma alívio redobrado por não ter ninguém sentado ao seu lado no avião, por ter sossego para adiantar a leitura que tem entre mãos, um livro viciante de Eduarda Monforte. Contos negros com contornos policiais e apontamentos divertidos. A autora intriga-a. É gémea de Marta, com quem Rogério se casa no dia seguinte, e escreve com contenção e humor, atributos existentes na irmã em grau muito reduzido. A nota biográfica na badana é lacónica e não apresenta fotografia. Apenas refere que tem imensa visibilidade no mercado de língua alemã e nasceu no lugar para onde o seu avião se dirige."
Maria Brandão, in "Enlouquecer é Morrer numa Ilha", Companhia das Ilhas, 2020.