“Mas de repente dou por mim a olhar para o
nosso quintalinho literário e a perguntar-me: que se passa? Os escritores não
precisam de estímulos? A realidade, agora a cores, basta-lhe? É ela o grande
ópio? Quase tudo sóbrio e a trabalhar por obrigação. Acabaram-se os O´Neill e
os Pachecos (o Luís e o Assis), os cafés e as tertúlias de onde se saía, ou de
gatas ou com a cabeça cheia de ideias para escrever, ou as duas coisas juntas.
Grande parte da literatura caiu nas malhas de uma triste engrenagem comercial
que se julga alegre e viva, mas é cinzenta e igual. Ninguém arrisca uma
gargalhada forte, satírica (Júlio Conrado acaba de dar uma, mas a gargalhada
ressentida também não é sadia), a poesia anda melancólica, a prosa vive de
memórias, o ensaio, depois do vigor do Eduardo Lourenço, academizou-se (e por
mim falo). Falta-nos seiva (vamos buscá-la, de vez em quando, aos livros de
Maria Gabriela Llansol), falta-nos a verve visceral, o humor certeiro – sempre vamos
lendo o “Fora de Mercado” do Jorge (Silva Melo). A literatura que se faz será
séria, sólida e serena, mas raramente nos desafia ou faz estremecer. Está a
ficar frouxa. É dos tempos. (…) A escrita profissionalizou-se, é o que é, -
hoje, todos temos que ser “profissionais” sem professar coisa nem causa
nenhuma. E por muito que muitos continuem a dizer em entrevistas que escrever é
“uma necessidade” (Necessidade? Ah, a língua portuguesa, tão traiçoeira, e tão
poucos a servir-se disso, a fazer desta necessidade uma virtude!), os
resultados raramente convencem.”
João Barrento, in “A Quatro Mãos”, Público, 28
de Julho de 2001.