sábado, 31 de dezembro de 2016

Uma Missiva de Janeiro Alves Mesmo no Cair do Pano

Caro Doutor Mara,

         Estava eu nos preparos para a passagem de ano, a abrir uma garrafa de Macieira reserva e a separar as passas para a meia noite, quando me bateram à porta para me entregarem a sua carta. Dei-me ao trabalho de a ler, apesar de me ter causado algum transtorno em plena preparação do fim de ano. E deixe-me que lhe diga - o Doutor Mara diverte-me. Mas falo de uma diversão constrangedora, num sorriso flácido que produzi com o canto da boca, ao mesmo tempo que revirava os olhos. A forma leviana como me insulta é de uma pobre, insípida e desprovida de qualidade literária. Chamou-me burguês, inchado, bonacheirão, insensato, o “maior”, doidivanas, artolas, e por fim linguista sensaborão. É caso  para perguntar “está aí alguém?”. Alô! acorde, Doutor Mara! Estamos no século vinte e um! É que se me quer importunar, pelo menos faça-o com classe!
         Enquanto não chega a meia noite, e pelo respeito que tenho por si (sobretudo pelo seu passado pois o seu presente é uma nuvem negra), envio-lhe algumas sugestões para que me possa insultar categoricamente em 2017 sem que eu tenha de o desprezar. Pois fique sabendo que eu sou um ser irascível! Há quem diga que sou a alma dos bórgias a penar, um excremento de animal na via pública pisado por uma dondoca da linha, sou o bicho de estimação de um rafeiro que me deixou no canil municipal, tenho a impotência da criação e o dom da malcriação, sou parasita social e atrasado mental. Sou mesmo um mentecapto profissional, salafrário velhaco e safardana. Sou um saloio pote de banhas e caixa de óculos, com boca de charroco e orelhas de abano. Não passo de um reles bebedolas, mas ao mesmo tempo copo de leite e menino da mamã. Eu sou a praga do século vinte e um a alastrar, um farsola macarongo e obnóxio. Enfim, um verme asqueroso, azeiteiro e lambe-botas. Percebeu?
         Espero que o ano de 2017 estanque de forma definitiva esta sua decadente caminhada para o abismo, e lhe devolva a glória dos anos cada vez mais distantes do seu fulgor de juventude. Espero que acorde para a vida, abrace o futuro, e pare de viver de recordações do passado. Também lhe assentaria bem uma vontade de trabalhar, e um corte definitivo com esse dolce fare niente alimentado por heranças e outras benesses familiares. Talvez assim, quem sabe, se tornasse efectivamente útil à sociedade (e não falo da sociedade nocturna que frequenta).

         Em espírito de missão na reparação intelectual da sua pessoa, e apesar de tudo com estima e consideração, desejo-lhe um bom Janeiro.

Janeiro Alves em Penedono, no 31 de Dezembro de 2016