sexta-feira, 17 de abril de 2020

Física Inexplicavelmente Platónica

O nosso amor
é igual à coluna de sorriso
que nos une
dois traços encarnados de união
no ar.

Rui Duarte Rodrigues, in "Os Meninos Morrem Dentro dos Homens", 1970

O que o viajante vê nas bicicletas da Holanda?

“Os outros povos do planeta consideram a bicicleta um aparelho destinado ao jogo e ao desporto. Permite uma velocidade extraordinária com meios simples, exige algum esforço e, ao mesmo tempo, o seu uso implica um certo risco. Todas estas características confinam o velocípede ao âmbito das actividades desportivas e, entre elas, às que requerem juventude.
            Apesar disso, verificamos que por todo o lado aumenta o seu uso em serviços meramente úteis. O operário que vive em distantes subúrbios vai para o trabalho e regressa dele de bicicleta. O distribuidor de certo tipo de mercadorias e o estafeta também recorrem a ela. Mas é precisamente esta generalização utilitária, que por todo o lado se verifica, que sublinha a consciência predominante de que não é esse o adequado objectivo da bicicleta, mas outro. Isso é sublinhado pelo facto de este aproveitamento secundário está reduzido ao estritamente inevitável: só a ele se recorre quando não há outro remédio ou quando a hulmidade dos meios económicos o impõe como uma triste necessidade. É por isso que não estranhamos: o operário mal vestido que pedala para ir para casa proclama tacitamente que preferia outro meio transporte e que usa esse precisamente não por ser o desejável mas por uma triste imposição. E com isso fica resolvida a incongruência, vemo-la explicada e não sentimos estranheza.
            Mas na Holanda toda a gente anda de bicicleta, qualquer que seja a sua idade, sexo, volume, posses. E agita as pernas sobre pedais, ia dizer que cinicamente, isto é, como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se fosse o que é preciso fazer. Pois bem, é isso que irrita o viajante, que causa estranheza e incompreensão: considerar-se natural e perfeito o que lhe parece inadequado e erróneo.
            Ao chegar aqui, o nosso intelecto, lutando dialecticamente consigo mesmo, faz a seguinte objecção: não será que considero natural e correcto simplesmente o que me é habitual, o que vi noutros povos? Porque não há-de ser a Holanda o povo eleito pelo deus das bicicletas, aquele a quem foi revelado o seu mais autêntico destino.”

Ortega y Gasset in “De Bicicleta – Antologia de Textos”, Relógio D´Água, 2018.

Avec le temps

Via em volta como
os melhores da sua época 
se iam corrompendo num conservadorismo
sem consciência. Confundiam a crítica com 
a desilusão e mediam o mundo com os critérios
da geração anterior.
Dariam por eles, se ainda lhes restasse lucidez,
apontados a dedo pela geração seguinte.
Esta, nem melhor nem pior,
era apenas diferente, ajustada a um tempo
que era sempre outro e a submergia,
enquanto esbracejava para sobreviver.
Demoraria ainda 
até que ela 
medisse o mundo
com os critérios da geração anterior.

Madalena de Castro Campos, in"A Gun in the Garland", Companhia das Ilhas, 2019.

Um Verso de Marianne Faithfull

I'm known by many different names