Isto não é
um poema sobre o verde
dos campos
do meu avó por onde
correu a
minha infância.
Isto não é
um poema sobre o amor
da minha
mãe. Um amor tão grande
que lhe deu
forças para me levar
em braços
para o hospital só para eu não
morrer daquela
vez.
-E morremos
tantas vezes nesta vida!
Isto não é
um poema sobre a língua do
animal que
me lambe as feridas nem sobre
as mãos do
homem que me sustenta o coração.
Isto não é
um poema sobre o mar grande
que rodeia a
ilha nem sobre os peixes
os corais as
baleias e os barcos que
habitam esse
mar.
Isto não é
um poema sobre danças
insanas movidas
a raiva e etanol.
Isto não é
um poema sobre o arrepio
das canções
do Jeff nem sobre a luz
de “Laughing Heart” de Bukowski.
Isto não é
um poema sobre as veredas
que atravessei
ladeadas por cardos
que castigam
as pernas nuas e
nos enchem a
boca de palavrões.
-Às vezes é
preciso dizer porra!
Isto não é
um poema sobre o meu medo
o medo do
lobo mau o medo de Al Berto
o medo de
Rosselini e o medo de Martins Garcia
Isto não é
um poema sobre o palito na boca
do Ryan
Gosling nem sobre o sorriso sádico
da esteticista
a arrancar bandas de cera.
Isto não é
um poema sobre a alegria concreta
de um prato
de chicharros fritos com
batata doce
para o almoço.
Isto não é
um poema sobre o sossego do gato
que dorme em cima das minhas coxas
nem sobre as inquietações do funcionário da repartição.
Isto não é um poema sobre a vaca sagrada
da ilha nem sobre a vaca profana do Caetano.
Isto não é um poema sobre jardins marinhos
nem sobre o brilho de prata de água pura.
Isto não é um poema sobre a pomba do
Espírito Santo nem sobre a fé mal amanhada
dos homens.
Isto não é um poema com foguetes e roqueiras
e fogo de artificio no final
Isto não é um poema. Mas podia ser.
e fogo de artificio no final
Isto não é um poema. Mas podia ser.
Gina Ávila Macedo, in Grotta-arquipélago de escritores, Letras Lavadas, 2015.