Ilustração de Pedro Valim |
Cultivavam esse amor antigo pela história ensinada nos bancos de escola que falavam do continente e das ilhas adjacentes. Sabiam desde sempre que o que tinham aprendido era importante mas não era certamente tudo aquilo que precisariam na medida certa para viver. Havia dentro deles um espírito marinheiro, errante, para além de serem amantes do oceano e das profundezas dos mares que rodeavam as ilhas atlânticas. Navegavam com inquietude pelos mistérios das ilhas como os antigos exploradores, absorvendo o espectáculo e a simplicidade da vida insular, absorvendo o rito e a passagem humana por esses antigos montes, vulcões e vales de solidão. No interior das ilhas era comum avistarem-se Flanihas em pleno acção, a flanar, muitas vezes a caminhar pelos seus próprios meios, longe de recusarem a rapidez das máquinas e dos avanços tecnológicos, preferindo, no entanto, o movimento das solas e dos sapatos, das rodas das bicicletas, ainda o vagar lento dos transportes públicos, quando os havia. Há muito que sabiam que a espécie humana nem sempre era bondosa, sendo por vezes ressentida, fechada, dada a visões curtas e circunstanciais, mesquinhices, dependendo muito dos estímulos e cultura em redor e, talvez por isso, os Flanilhas despojaram-se de bens materiais, adquirindo apenas o que a terra e o mar lhes davam, afastando-se o mais que podiam dos bens materiais, ou pelo menos tentavam fazer por isso, retirando máscaras e fingimentos ao quotidiano. Os Flanilhas quiseram ser pele, osso e tráfico desse dom humano que era o corpo aberto ao movimento, à experiência do vento e do sol, da vida ao ar livre, exposta ao coração da mãe natureza. Veneravam dessa forma os traços e os gestos das obras terrenas da vida e da passagem do Homem nas ilhas, os seus sinais de um desejo insaciável e vontade inquieta que se concentravam nas casas, edifícios, arquitectura e jardins. Amavam também as músicas celestiais que das suas vilas e freguesias ecoavam em dias de festa, romaria ou religiosidade. Os Flanilhas ficaram conhecidos por lançar garrafas ao mar carregadas de mensagens secretas que nunca ninguém seria capaz de decifrar, dado que eles há muito diziam desconfiar do valor das palavras. Preferiam a poesia do movimento, do corpo em fuga e sentido ambulante dada pelo nomadismo dos primeiros viajantes. De ilha em ilha, o gosto, o prazer, o amor pela viagem.