ama as palavras.
do vento a tua casa procura o jardim como quem uiva.
amas os jardins com a ferocidade íntima dos lobos que sempre trazes por sarças
nos olhos.
tens pássaros longos pássaros abrindo-se nos pulsos
altas árvores na breve memória orvalho da boca.
muitas vezes desejas ser apenas uma
árvore,
a quieta sombra de uma árvore que te respire
e chegas a ser a criança no bolso de um casaco,
que já não usas muitas vezes.
a mais das vezes, na verdade, não chegas a ser o mar tão perto.
ama as palavras.
como quem lambe o inverno e o asfalto amas as palavras.
espetas alfinetes na língua e colocas a descoberto a ígnea cor do sangue,
desconheces por completo a letra do próprio nome
na pretensa busca de uma subterrânea ignição
com a retroescavadora própria de uma própria gramática,
essa criança esquecida no bolso de um casaco,
esse canivete para descascar laranjas e outros pulsos, isso que nunca foste.
perdes-te na pontuação e esqueces a sintaxe, a gramática
sempre te foi um fraco calcanhar
e esqueces sempre esqueces a chuva não basta a ser regresso
e o mais profundo respirar é o mar que te assola quando regressas
e quando regressas é o vento a tua casa abandonada.
amas as palavras como quem lambe.
Tiago Rodrigues