Abro
aqui mais uma página da nossa já longa e solitária correspondência, com a mais
profunda curiosidade em saber se ainda se encontra vivo, se ainda não foi
raptado por traficantes de órgãos, ou adoptado por uma velha baronesa sedenta
de diversão. Dados os últimos acontecimentos, temo ainda que tenha fugido para
o Brasil ou que se encontre numa casa de saúde algures no meio da floresta
Laurissilva (apenas por prudência). Apesar desta minha perversa curiosidade, mantenho
a confiança de que o Doutor se mantém indexado aos cânones estabelecidos pela sociologia
moderna, e que a sua farta cabeleira permanece bem armada, pois sei que nela guarda
alguns objectos pessoais de valor inestimável e outros de uso mais diário.
Quero
pô-lo ao corrente da vida de Lisboa, mas ficará para outra oportunidade, pois
não me encontro lá. Estou neste momento no meio do pinhal, a respirar o ar puro
e cristalino da natureza, e a grelhar umas salsichas tipo Frankfurt para o
almoço. Perguntará nesta altura o Doutor Mara aos seus colegas de quarto: “o
que estará Janeiro a fazer no meio do pinhal?”. Trata-se de uma desatenção da
sua parte, caro Doutor. Acabei de lhe dizer que estou a grelhar salsichas para
o almoço.
Mas
o que o Doutor Mara não imagina, e que, se estiver acompanhado, encenará um
enorme interesse em saber, é que decidi vender a minha sub-cave urbana e
comprar uma autocaravana. Aventuro-me agora independente pelas sinuosas
estradas do desconhecido, com dois faróis iluministas, uma cama, um frigorífico
e um velho rádio a passar cassetes nostálgicas. Será neste escritório móvel e
ao som de Swing e Yé-Yé que começarei em breve a redacção da minha nova obra – Compêndio Geral de Compêndios. Após este
meu périplo por pinhais do interior de Portugal, conto chegar a Penedono pelo
Natal, onde pretendo estacionar temporariamente para a tradicional celebração
da época festiva. Para este ano conto assar meio cabrito. É neste ponto que
justifico esta minha missiva. Quero convidar oficialmente o Doutor Mara para
passar o dia de Natal com este seu velho amigo, e para me ajudar a comer os
restos do cabrito da noite anterior. Obviamente que o repasto será bem regado
com vinho a jarro de produção local, uma categoria.
Aguardo,
portanto, o seu sinal relativamente a este convite. O sinal é de apenas 15
euros, e os restantes 25 euros poder-me-ão ser entregues em mão no dia do
almoço.
Com
elevadíssima estima e magnífica impressão,
Janeiro Alves