Uma vez questionado
sobre se seríamos ou não um país de poetas, Alexandre O´Neill respondeu que
estaríamos mais próximo de um país de lunáticos. Nada contra os lunáticos,
demais poetas e todos os outros cultores das palavras ditas e escritas. Certo é
que falamos uma língua com 170 milhões de utilizadores, somos o sexto idioma
mais falado no mundo como primeira língua. Perante os que não são portugueses,
e a todos os outros que se mostram curiosos da nossa poesia e literatura, dizemos
sempre que lemos e gostamos do Camões, Pessoa, Bocage, Sophia, Alexandre
O´Neill e, agora, o Herberto Helder. Lemos, gostamos, de facto? E aquilo que se
faz de novo na poesia portuguesa, temos sido, suficientemente, curiosos? Como é
que podemos aceitar que uma boa edição de poesia ronde apenas os trezentos
exemplares? E os livros circularão pelos lares portugueses tal e qual os
jornais desportivos?
Durante anos, patenteei
uma salutar desconfiança perante leituras públicas de poesia, talvez fosse o
hábito de ler ao meu próprio ritmo, ou porventura, atribuir aos poemas uma
solenidade e secretismo que de facto estes bem merecem e que uma leitura pública
pouca ou nada preparada pode perturbar. Nunca fui, por isso, seguidor de
leituras espontâneas de poesia, e, inclusive, fiquei já incomodado ou mesmo algo
convulso por leituras que se fizeram ou fazem de poemas dos quais gosto muito.
No entanto, já houve também audições de poemas que me fizeram ir à procura dos
textos, concederam entrada directa no universo poético dos seus autores, ou
ainda nutrir por estes um afecto ainda maior na minha hierarquia. Deste modo, quando
ouço alguém ler um poema satisfaz-me quando este/a conhece o autor em questão
ou entendeu os modos e o tempo em que este escreveu os poemas, descobriu-lhe os
gestos possíveis ou imaginários, ou sonda penetrar a fundo nos temas e encarnar
um possível tom. E é, a partir desse conjunto de possíveis, que experiencia
individualmente os poemas antes de os dizer publicamente. Um texto poético deverá,
em primeiro lugar, funcionar para quem o lê, trabalhá-lo enquanto ritmo, tempo
e entoação e, só depois, tornar pública a sua apresentação.
Recentemente, tornei-me um leitor comum de
poesia na TASCÀ, uma antiga taberna e mercearia, bastante particular do ponto
de vista estético, e dada a conversas e demais tertúlias, sendo aqui que se dão
as noites de poesia micaelense. O poeta Fernando Pessoa afirmou que “a minha
pátria é a língua portuguesa”, concedendo assim a hipótese da língua ser cultivada,
divulgada, exteriorizada nas suas mais diferentes expressões. Certo é que a
poesia deveria ser mais lida, partilhada e guardada no interior de cada um, decorada,
se possível. Mas, entre aquilo que é ou poderia ser, prefiro ler com e para os
outros em oposição àquilo que se ouvia muito no “basfond” lisboeta dos anos 80 – “coisíssima
nenhuma”.