Hoje
acordei com vontade de dizer um palavrão à Primavera. Não disse. Calei-me a
tempo. Pela manhã alguém quis dar-me uma palavrinha e quase me estragava por definitivo este dia de plena invernia. Foi talvez assim que passei a jornada entre médias palavras, não esquecendo
que por vezes há pequenas palavras que nos salvam – “um cafezinho”,” bem
dispostinho?”, “está cá um friozinho” – e tudo de imediato se recompõe para
salvação dos nossos e dos pecados dos outros. O mundo é demasiado grande mas
não seria mesmo nada, ou mesmo muito pouco, sem estas pequenas coisas. E, no entanto, o
Inverno já vai longo, comprido e quase sem remissão. Ò Prima, não queres dar um sinal
à Vera para aparecer?
Entristece-me
assim e, de que maneira, ver tão maltratada esta debutante estação do ano e
constatar por dentro do interior dos dias o falso e ambicioso admitido tomo
primaveril de calendário tão incaracterístico, tão incomum e tão impróprio para
consumo. Dar por mim a pensar que a estação das estações é agora um logro, isto
é, ela, a Primavera, ao contrário de todas as previsões, afinal ainda não tinha chegado. E, por muito que os pássaros cantem, as
flores brotem e os dias sejam maiores não se consegue avistar um raio de luz
mínima que seja. O sol e a Primavera deste ano talvez venham mais tarde, talvez
venham daqui a bastante tempo como veio a encardida a notícia de que Bergen é há muito a
capital europeia do bacalhau ou que só agora se saiba que o desenhador judeu, Abraham
Abobbot, era de estatura baixa e usava um lenço à L´avalier. Ou que talvez só agora visionemos uma película em que se dá a devida relevância em ter uma vaca no Burkina Faso. O que é um facto e,
assumo desavergonhadamente à frente de toda a gente, é que invariavelmente e,
por diversas vezes, traí o destino a que me estava destinado. E, desculpem, é que não me importo mesmo nada ou pouco de dar as voltas
necessárias à Primavera. E, caso for mesmo necessário, casar-me-ei com ela já no próximo domingo!