O Vulcão dos
Capelinhos está há mais de meio século adormecido, acalmou após um ano de
erupções strombolianas entre 27 de Setembro de 19 57 e 24 de Outubro de 19 58 do século
vinte. Desde então e, não terá sido coisa de pouca monta, mais nada aconteceu
naqueles dois quilómetros e meio de terra para lá dos garajaus que nidificam no
dealbar do verão e se depõem no final da canícula, para lá da erosão. Aquela quietude
vulcânica é apenas perturbada pela corveia diária de turistas que visita o seu Centro
de Interpretação ou outros visitantes mais afoitos que se aventuram por entre a
paisagem de cinza e silêncio em dias de bonança. Em termos artísticos, o
fotógrafo Duarte Belo documentou este cenário de cinza em 2008 para o livro
“Fogo Frio”, extraordinário objecto onde sobressai a venustidade do vulcão,
ainda que hostil, mas profundamente bela. Outro acontecimento de fina
estranheza e de poesia imagética deu-se com a criação da curta-metragem
denominada de “Adormecido”, realizado há três anos pelo cineasta Paulo Abreu e
produzido pelo 9500-Cineclube de Ponta Delgada, num azo sonoro e poético em
torno desta força natural. “Adormecido” é, pois, m filme experimental marcado
essencialmente por planos de síntese do Vulcão dos Capelinhos, arrumado essencialmente
pelos sons captados do exterior e da paleta imaginária de sons provenientes do
interior do vulcão, sendo exaltante a pletora sonora que aí acolhe.
Paulo Abreu
quis muito, num plano oposto ao de Duarte Belo, registar em filme a descoberta
dessa manifestação interior, enigmática e exteriormente silente, a meio do oceano
atlântico. Constituído por planos de fuga em Super 8, aproveita para dar corpo
e conta do vento, do céu e das nuvens que despontam em tão invulgar local,
supondo assim o rumor interno daquele báratro em manifestação invisível, nessa
possível congeminação de lava e outros materiais em combustão, o borbulhar dos
gases e partículas quentes no interior do seu magma. É nessa dialéctica
interior-exterior que este “Adormecido” é tão quente e poeticamente esclarecedor.
Com a presença
de diferentes câmaras espalhadas pela área do vulcão há no decorrer do filme a
imagem de uma ossada de um cagarro em plano único e contido sobre a morte e a
destruição a que este sítio é propenso, resultando tantos anos depois no seu esquecimento, permitindo
aqui a prova de que o que importa é dar conta da actualidade e presente desse “deserto” possível e
passível de pertença, após tantos anos passados da devastação inicial. Daí a interrogação: quantos filmes já pediu este vulcão? E,
por isso, só um poeta da imagem é capaz de espalhar câmaras pela terra nova e captar
a sua poesia visual e sonora para depois devolver-nos em jorro o que de
mais profundo e alienígena assoma desta atmosfera carregada de detritos e
escombros. É que podemos rebentar no ar esse conjunto de hipóteses de morte e
de cinza que um lugar como Vulcão dos Capelinhos materializa mas,
posteriormente, deveremos percepcionar e interrogar que aquilo que se encontra
aparentemente adormecido e esquecido baste um curto, mas precioso filme, para despontar em nós
a ideia de que há sempre tanta
coisa a bulir e a agitar-se por dentro. Do vulcão e no interior de nós.