segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Capítulo 1- Autonomia processual:


Chegamos ao momento em que se impõe falar sobre a mulher-alvo, parte implicada indirectamente no processo de criação, fonte das mágoas e das alegrias do Poeta. É essencial que ela se sinta importante, escolhida, por fim, de quem a merece. É bem sabido que as mulheres preferem uma mentira encantadora à verdade desagradável. Encontraram-nos, no entanto, numa posição ainda frágil e o mais sensato é não arriscar, acertar a cem por cento. Como? Nada de referências directas, um texto alegórico, um texto que fale apenas dum passado perturbante.

 
                         Nunca tiveste um altar
           
              E um dia pensei: tu nunca tiveste um altar.

            Já não há lugares assim onde hortaliças e batatas-doces

te façam sentir o preço certo da terra. (5)

Refugiaste-te na seiva bruta das tristezas

que se escoam oblíquo em gramáticas de jardins pendurados.

Já não há aquele tactear sincero do andar descalço no relvado

do primeiro email enviado por um pretexto qualquer.

      
            E um dia pensei: atrever-me-ei alguma vez a tocar-te os joelhos,

esses satélites lunares presos na conjunção

da diáfise com as epífises?

Poderei eu com estas mãos

subir sendas de seda debaixo da tua saia solitária? (6)

Serei capaz de aplicar um dia sanções na jurisdição do teu seio esquerdo,

eu que agora me atrevo a colocar uma multa no pára-brisas do teu sorriso? (7)

      Nada será igual. Nem traços de carvão em quadros de Bual.

                                                  Nem aguaceiros nas manhãs de Tajmahal.

 

Golgona Anghel

(5) sua mão direita acariciará levemente a sua cara.
(6) num gesto esboçado no ar imitará a efectividade das palavras ditas
(7) tocará suavemente com o indicador o lábio inferior da mulher.

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