Chegamos ao momento em que se impõe falar sobre a mulher-alvo, parte
implicada indirectamente no processo de criação, fonte das mágoas e das
alegrias do Poeta. É essencial que ela se sinta importante, escolhida, por fim,
de quem a merece. É bem sabido que as mulheres preferem uma mentira encantadora
à verdade desagradável. Encontraram-nos, no entanto, numa posição ainda frágil
e o mais sensato é não arriscar, acertar a cem por cento. Como? Nada de
referências directas, um texto alegórico, um texto que fale apenas dum passado
perturbante.
Nunca tiveste um altar
E um dia pensei: tu nunca tiveste um altar.
Já não há
lugares assim onde hortaliças e batatas-doces
te façam
sentir o preço certo da terra. (5)
Refugiaste-te
na seiva bruta das tristezas
que se escoam
oblíquo em gramáticas de jardins pendurados.
Já não há
aquele tactear sincero do andar descalço no relvado
do primeiro
email enviado por um pretexto qualquer.
esses
satélites lunares presos na conjunção
da diáfise
com as epífises?
Poderei eu
com estas mãos
subir sendas
de seda debaixo da tua saia solitária? (6)
Serei capaz
de aplicar um dia sanções na jurisdição do teu seio esquerdo,
eu que agora
me atrevo a colocar uma multa no pára-brisas do teu sorriso? (7)
Nada será
igual. Nem traços de carvão em quadros de Bual.
Nem aguaceiros nas manhãs de Tajmahal.
Golgona Anghel
(5) sua mão direita
acariciará levemente a sua cara.
(6) num gesto esboçado no ar imitará a efectividade
das palavras ditas
(7) tocará suavemente com o indicador o lábio
inferior da mulher.
Sem comentários:
Enviar um comentário