“Naturalmente, a vida põe-nos problemas. Os problemas estorvam a nossa vida. São obstáculos com que nos deparamos. Têm de ser resolvidos ou removidos de qualquer modo. Os gregos chamam «aporias» aos problemas com que temos de lidar, sejam elas de índole quotidiana, sejam eles altamente especializados. Uma aporia é uma dificuldade que cria uma situação difícil que nos deixa em apuros. Pode ser sentida com um carácter de maior ou menor urgência que inste à sua resolução. A filosofia naturalmente existente na nossa vida lida com toda a espécie de aporias e problemas com que nos deparamos. É a ignorância que cria força de pressão para a resolução dos problemas particulares que temos de resolver. Os problemas que se nos põe são de toda a espécie, origem e proveniência.
Ao surgirem, são dinâmicos. Temos de resolvê-los. É o que acontece com as avarias elétricas em casa, os problemas com a canalização, o barulho, a ligação à Internet, os problemas de índole pessoal, de natureza política e social. Quanto à gravidade com que nos surgem e a urgência da sua resolução, a própria avaliação pode variar. Chamamos os técnicos para os resolver ou tentamos nós próprios resolver esses problemas. É assim também que o médico faz o diagnóstico para identificar, a partir dos sintomas, a causa de uma doença ou manda fazer análises de rotina, porque as doenças podem esconder-se e não se revelar. O mesmo se passa com as situações de conflito. Nem sempre se declaram logo. As situações polémicas ou de combate trazem o estratego para fazer o diagnóstico e avaliar a situação. Quem avalia a natureza da ocasião oferecida? Como aproveitar a oportunidade para passar de uma situação prejudicial para uma situação vantajosa? Como evitar uma desvantagem? Quando atacar e bater em retirada? Quanto tempo se pode resistir e quando se deve desistir? O mesmo se passa com a nossa afetividade e com o modo como nos comportamos emocional e afetivamente com os outros, aos quais estamos ligados afectiva e profissionalmente. A nossa relação com amigos e família, com as pessoas que amamos e que são protagonistas nas nossas vidas, traz consigo um conjunto de problemas que se nos põe. Obrigam-nos a ter conversas sérias, a resolver crises que a vida cria de forma espontânea e primária. Percebemos o sofrimento que causam certas atitudes e palavras ditas, e também que fazemos sofrer os outros com as nossas atitudes, palavras, actos e omissões. Mas pode ser também a tentativa de resolver coisas simples como o que vai ser o jantar, qual o caminho mais rápido a tomar em determinada direcção, como escapar ao trânsito, etc. Há sempre um diagnóstico da situação que irrompe e temos de resolver porque é um obstáculo, um estorvo, interrompe o curso normal da vida.”
in “O Que é a Filosofia?”, António Castro Caeiro, Edições Tinta da China