quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

(Para quê Poetas em Tempo de Indigência?)

Levantar a gola do casaco,
Esconder os punhos já puídos
E defender, com os dentes cerrados, as palavras:
mas quem aguenta mais este murmúrio vão,
que não colhe mais as flores do mal nem a luz
radiosa na própria miséria?
Resistir, como sempre fizeram os humilhados.
Decorar palavras antigas.
Repeti-las, para que não sejam esquecidas,
aos vindouros.



Luís Filipe Castro Mendes in, "A Misericórdia dos Mercados", “Assírio e  Alvim”, 2013

(Fechou a Escola em Grijó)

Dantes enviavam-se as crianças a caminho da escola
e eram como pássaros de som nas manhãs de Grijó
Não eram muitas, mas as vozes joviais
davam sinais que a aldeia resistia,
continha à distância o deserto que as ronda
como a alcateia ronda uma rês tresmalhada.

Agora as crianças, todas as manhãs,
são acondicionadas como mercadorias
numa viatura com vocação de furgoneta.
Lembram judeus amontoados

em vagões jota a caminho de algures.
Vão aprender em terra o que os seus pais
E os pais dos seus pais aprenderam em Grijó.


A.M. Pires Cabral (Gaveta de Fundo, edição Tinta da China, Novembro de 2013)