Quando era pequeno, aliás,
demasiado pequeno, ri muito com o meu avô. O meu avô e o meu riso eram parte do
mesmo cenário. Ainda hoje quando me rio parece que estou na presença do meu
avô. O meu avô contava-me muitas histórias, tantas histórias que vim a saber
alguns anos mais tarde, eram, na sua maioria, inventadas por ele naquele
preciso momento. O meu avô ria-se sempre mais do que qualquer um das suas
histórias. Eram histórias de aventura, partidas, regressos, promessas de
felicidade, ou momentos de pura estúrdia. O meu avô nunca viveu connosco e,
quando aparecia em nossa casa, eu expulsava-o sempre do alto das escadas e ao
qual ele respondia com uma palavra apenas: "Judas"!
Ele acordava-me muito cedo para passear pela praia do pescado e, junto com ele, fui algumas
vezes navegar de barco ou ver os outros barcos varados no areal. E por
isso ainda hoje me lembro de ter chorado tanto quando o meu avô nos levou pela
primeira vez numa viagem de barco com o propósito de perder o medo. O meu avô
morreu quando eu tinha dez anos sem ninguém esperar, sem ter dito a ninguém que se ia embora, assim de repente. Disseram que foi um formigueiro num braço, até que
lhe deu uma daquelas fúrias e foi sozinho até ao hospital. Sozinho, madrugada
fora. O meu avô viveu uma boa parte da sua vida no Brasil, esse país em que lhe prometiam a construção naval e acabava na pesca. A minha avó contava que quando
ele voltou de vez, veio vestido de fato branco sem um tostão no bolso, aliás o
meu avô gostava tanto do Brasil que raramente trazia dinheiro para ajudar a
família. Tenho pena, muita pena de só ter vivido apenas até aos dez anos com o meu
avô. E talvez seja por isso que continuo a rir.