terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Quatro Paredes e o Mundo de Marc Weymuller

“Naquele ano, voltei à Ilha do Pico, nos Açores. Queria encontrar o escritor, poeta e baleeiro, José Dias de Melo, na sua aldeia natal, Calheta de Nesquim. Queria passar alguns dias ao seu lado, ver como vivia. Queria ouvi-lo falar, ouvi-lo contar as suas histórias que marcaram a vida dele. Queria filmar a sua aldeia, a sua casa, as suas idas e vindas, acompanhá-lo, nos seus passeios e descobrir paisagens que descreve nos seus livros. Mas quando cheguei à Calheta de Nesquim soube que ele tinha caído doente e que tinha sido hospitalizado em São Miguel, uma outra ilha do arquipélago. Ninguém me soube dizer quando retornaria. Então, decidi esperá-lo. Levei comigo um dos seus últimos livros “Poeira do Caminho”. Folhei-o para passar o tempo. E se escuto, entendo a voz dele..."
Marc Weymuller


       Marc Weymuller trabalhou para o som de “As Ilhas Desconhecidas” (2009), de Vicente Jorge Silva(https:https://issuu.com/fazendofazendo/docs/fazendo_38_online e foi por essa altura que travou o ensejo de querer conhecer Dias de Melo. Este seu trabalho documental tem a particularidade de mostrar a passagem do tempo num lugar carregado de memórias e de histórias de baleeiros elencados ao longo do tempo por este antigo professor e depois escritor, focalizando-se essencialmente nesta fase final da sua vida, marcado pelas contingências do momento na vida deste homem de palavras. Estes cinquenta e três minutos de memória viva de um homem que escreve a partir da sua janela  devolve-nos aquilo que é mais pungente e telúrico num homem que gostava de sentir-se mais um entre iguais, podendo nós agora imaginar o escritor com o seu cachimbo na sua Calheta de Nesquim olhando o mar com os seus conterrâneos e antigos baleeiros. O filme é narrado em francês pela voz de Marc Weymuller, que alterna em português com Michel Costa que vai lendo excertos de “A Poeira do Caminho”, acentuando a cadência do texto num registo de vozes lentas sobre as imagens do “habitat do escritor” – trabalho aprimorado de Xavier Arpino –  reforçando a solidão e a melancolia ali presentes, ampliando à literatura a vastidão da paisagem que se avista da janela da casa de Dias de Melo. No final da sessão do cineclube de Ponta Delgada foram lidos testemunhos de familiares e amigos, destacando-se o tributo de Bruno da Ponte, editor de vinte uma obras do autor picaroto.