Caro
amigo Janeiro Alves,
Espero
que já se encontre no seu retiro de Penedono, no nordeste do distrito de Viseu,
essa incrível aldeia histórica onde passa tranquilamente e de forma solitária
esta quadra natalícia.
Sinceramente
e, perdoe-me a franqueza, mas deparei na sua última missiva tiques típicos de
um burguês nada arrazoado, lamúrias correspondentes a um indivíduo todo
inchado, bonacheirão e pouco sensato. Como é possível, meu caro amigo, proferir
que lhe correu bem o ano!? Está a brincar? É necessário acalmar-se, amigo
Janeiro, pois qualquer dia já ninguém o consegue ouvir com a mania que é o maior,
que ninguém está ao seu nível, o autoelogio recorrente e constante dos seus
feitos, enfim, essas taras e manias de um doidivanas qualquer. Quem é que você
julga que é? Certamente, por tudo aquilo que nos foi dado a ler, você é um
artolas de primeira água e um linguista sensaborão ou irá dizer-nos que afinal
era tudo a fingir e que apenas queria pôr um ponto final no top da brutalidade!
Escrevo-lhe
deitado numa espreguiçadeira num apartamento de quatro assoalhadas junto do
aeroporto. Descobri recentemente que este mesmo me tinha sido doado em herança
pelo meu tio de Florença, Pietro Marentini, aquando do seu divórcio com a
famosa hospedeira de bordo da Scandinavian LineAir: Vicky Malastrom. Julga-se
que este terá passado os últimos dias da sua vida com cenários de aviões
que chegam e partem de forma a sossegar a sua dor, entrando numa fase de metal e melancolia que nunca foi
capaz de recompor-se. Encontrei fotografias e objectos da sua amada espalhados
pelos vários recantos da casa, uma mulher, por sinal, muito bela de rosto redondo e maçã no queixo, digna de actriz de cinema nórdico. Chamou-me também a atenção uma manta de
linho em forma de V, promotora de bastante calor, onde se depreende toda a paixão existente entre o casal. De qualquer modo,Vicky, creio, nunca suportou aquele sedentarismo crónico do meu tio…
E
agora, conte-nos novidades, que tal o tempo por aí? Soube pelo carteiro que o
ano passado houve muita neve e que as comunicações estiveram cortadas. Talvez, por isso mesmo, sugeri para que lhe entregassem em mãos esta missiva.
Soube, inclusive, que o amigo Janeiro teve de improvisar na cozinha com comida
vinda fora de portas, onde encomenda telepizza. Será verdade?
Com os respectivos votos de boas festas, seu admirador
Doutor Mara