domingo, 15 de fevereiro de 2015

Myrica Faya no Teatro Faialense

Myrica Faya é uma banda musical da Ilha Terceira, composta por Bruno Bettencourt (viola da Terra), Cláudio Oliveira (baixo), Emílio Leal (piano, voz), Pedro Machado (guitarra, voz), Ricardo Mourão (guitarra, voz). No dia 21 de Fevereiro, no Teatro Faialense, irão apresentar o seu primeiro disco intitulado “Vir’ó Balho”, datado de 2014, contando com um reportório essencialmente elaborado por músicas tradicionais açorianas, sendo certo que escutaremos as suas reinterpretações de “Caracol”, “Charamba”, “São Macaio”, “Sol”, “Lira”, o “Pézinho da Vila”, e ainda a celebrada internacionalmente, “Chamateia”. Estes temas são revestidos de novas roupagens, reforçadas pela panóplia de vozes deste agrupamento e com a predominância das cordas, evidenciado com a vivacidade das guitarras, inclusive a viola da terra, tão presentes no cancioneiro tradicional açoriano. 

As Raparigas Lá de Casa

Como eu amei as raparigas lá de casa
discretas fabricantes da penumbra
guardavam o meu sono como se guardassem
o meu sonho
repetiam comigo as primeiras palavras
como se repetissem os meus versos
povoavam o silêncio da casa
anulando o chão os pés as portas por onde
saíam
deixando sempre um rastro de hortelã
traziam a manhã
cada manhã
o cheiro do pão fresco da humidade da terra
do leite acabado de ordenhar

(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar o odor doce e materno
das manadas quando passam)
aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava a inquieta maresia
dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos
no outono
penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas
na primavera

não me lembro da cor dos olhos quando olhava
os olhos das raparigas lá de casa
mas sei que era neles que se acendia
o sol
ou se agitava a superfície dos lagos
do jardim com lagos a que me levavam de mãos dadas
as raparigas lá de casa
que tinham namorados e com eles
traíam
a nossa indefinível cumplicidade

eu perdoava sempre e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa
porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o lado mau de sua inexplicável bondade
o vício da virtude da sua imensa ternura
da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor pelas raparigas lá de casa

Emanuel Félix in “Habitação das Chuvas” (1997)

(24 de Outubro de 1936-14 de Fevereiro de 2004-Angra do Heroísmo)